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20-06-2020        Jornal de Notícias

A História está cheia de decisões políticas ancoradas nesses fingimentos: umas geraram enormes prejuízos económicos e sociais, outras deram origem a guerras. Todas elas causam injustiças, pobreza, horrores. Passado algum tempo aparecem responsáveis por essas decisões a dizer-nos: "se soubesse o que sei hoje" agiria de forma diferente. Na esmagadora maioria dos casos estas afirmações são de uma hipocrisia que enoja, como é o caso de recentes declarações de Durão Barroso, numa entrevista à Atlantic Talks.

Barroso foi o lacaio de serviço na organização da cimeira das Lajes, em 2003, onde foi assumido o avanço para a invasão e guerra do Iraque. Era, na altura, primeiro-ministro de Portugal e um político com experiência internacional. Agora diz que "com o que se sabe hoje" provavelmente não agiria da mesma forma, fazendo de conta que "a informação que tinha na altura" - construída de forma mentirosa pelos Estados Unidos da América (EUA) - era a de que dispunha. Ora, ele sabia muito bem que as Nações Unidas não aceitavam tal ato, que parte dos países europeus e a esmagadora maioria à escala mundial se opunham e viu, naqueles dias, milhões e milhões de cidadãos em todo o Mundo, e em Portugal, manifestando-se desesperadamente contra tal opção. Até o Papa apelou para que não se entrasse por tal caminho. Durão Barroso participou, bem informado e conscientemente, num dos atos criminosos e belicistas mais graves após a II Guerra Mundial. Uma invasão ignóbil para limpar toda a Administração iraquiana (expressão de Barroso), seguida de guerra que alimentou outras guerras, a instabilização de países, o incremento do terrorismo e milhões de refugiados, e que causou e causa imensos mortos e sofrimento humano.

Enquanto primeiro-ministro, Barroso sabia existir em Portugal uma opinião esmagadora condenatória da via da guerra, incluindo a opinião, embora pouco ofensiva, do presidente da República. Propositadamente traiu o povo português, mas ganhou "competências" que o catapultaram para presidente da Comissão Europeia e agora para chairman do banco Goldman Sachs Internacional, um dos principais pilares, à escala global, da "economia que mata" a que se refere o Papa Francisco. E porque este banco é uma das instituições que mandam neste Mundo crescentemente injusto e belicista, vemos, infelizmente, governantes de países e responsáveis de grandes instituições a curvarem-se perante este bandalho político.

Aquela "badalhoquice" política não surpreende vinda de Durão Barroso. O que se reclama para gente como ele é a existência de condições para rigoroso julgamento político e outros, se adequados. Entretanto, choca ver Mário Centeno - que publicamente se reconhece como pessoa séria e rigorosa - agora, a propósito do contrato com o Novo Banco, puxar da bengala "se eu soubesse o que sei hoje" para nos dizer que faria diferente.

Então, Mário Centeno, o que é que o senhor sabe que os portugueses precisam de saber para evitarem que o desastre continue?


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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