Retomar a produção de bens e serviços é essencial. Se assim não fizermos agravam-se realidades sociais e económicas já muito delicadas e poderemos vir a sentir problemas de abastecimento e até de inflação em alguns produtos de primeira necessidade. Tal opção exige equilíbrios múltiplos nas medidas que enquadram essa retoma e o respeito pelo princípio de que a economia é, essencialmente, moral e política.
As decisões políticas têm de se sobrepor a interesses de outros poderes, respeitar os princípios éticos que suportam direitos fundamentais no trabalho e na sociedade, criar condições para que as pessoas vençam medos. Ter trabalho ou não, ser ou não protegido no seu exercício, ter meios de subsistência ou estar dependente da caridade alheia farão toda a diferença.
Ninguém ultrapassará medos sem proteção da pandemia, o que impõe muita atenção às condições de segurança e saúde nos transportes e no trabalho. As empresas têm de cumprir regras instituídas e, aos trabalhadores, deve ser assegurado o direito de se organizarem para não permitirem o seu desrespeito.
Vencer os medos exige meios para se poder viver com dignidade e esperança. Não podem ser abandonados os muitos milhares de trabalhadores precários que foram despachados logo na fase em que se dizia que o impacto do vírus era simétrico. As condições de vida de centenas de milhares de portugueses – trabalhadores e muitos pequenos empresários – dependem, em absoluto, de terem ou não retribuição do seu trabalho no fim do mês, e o seu contributo enquanto produtores de riqueza, ou como consumidores, é imprescindível para a recuperação da economia.
Há empresários aborrecidos por terem de preencher mais uma dezena de papeis nos processos do Lay off e por haver burocracia. Custa-lhes assumir que o tempo que vivemos é de exigência de rigor e de sacrifícios a todos, e que há desmandos patronais intoleráveis na aplicação daquele mecanismo. É importantíssimo que muitos empresários tenham evitado mais desemprego, mas também é significativo que outros tantos não queiram agora retomar as leis e recomendações em vigor, ou tentem um regresso à normalidade no que diz respeito aos seus interesses, deixando para os trabalhadores, para o povo e para o Estado, os custos da anormalidade que vamos viver por muito tempo.
Portugal irá sofrer o principal impacto nos setores mais expostos à procura mundial e a fluxos internacionais de capital: turismo e imobiliário, mas também nalguns setores da indústria transformadora mais dependentes de exportações e importações. Não se pode congelar tudo à espera que a tempestade passe, na ilusão de regressar ao velho normal. Há que recuperar reconvertendo os enviesamentos do padrão de especialização da economia prévio à crise pandémica, apostando na territorialização da produção e na substituição de importações. Por outro lado, no debate e na ação política os défices zero ou os excedentes tornaram-se obsoletos e risíveis no contexto da crise. Há que encontrar termos e recursos adequados à dinamização do financiamento público, com critérios de interesse público que não nos aprisionem no espartilho em preparação na União Europeia.
É preciso fazer chegar recursos a empresas, mas tão ou mais urgente é propiciar ocupações úteis e remuneradas a muitos trabalhadores, permitindo-lhes alguma normalidade nas suas vidas.