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25-04-2020        Jornal de Notícias

Evoquemos e comemoremos institucionalmente e nas formas que nos for possível, “o dia mais puro e limpo” da história do povo português nos últimos séculos. Preparemo-nos para combates prementes. Temos consciência dos desafios difíceis que enfrentamos e sabemos que austeridade é uma palavra maldita: tanto pode significar uma virtude como (em regra) um castigo. Nas últimas semanas proliferam analistas e políticos que clamam por austeridade no que a palavra carrega de doloroso. Outros, inclusive alguns governantes, fogem da palavra de forma hesitante. Anseiam encontrar qualquer coisa parecida que não assuste.

Dizem-nos que nenhum governante deseja a austeridade. É uma afirmação tão falsa quanto dizer que qualquer patrão gostava de pagar melhores salários. Quando os governantes executam cortes orçamentais sabem muito bem que diminuem as condições de saúde, a proteção social, as pensões de reforma, a educação e formação, a efetividade da justiça, a capacidade de investimento. Sabem que políticas de desvalorização interna reduzem salários e direitos no trabalho, transferindo riqueza e poder do trabalho para o capital.

Trazer à memória dos portugueses os valores e o programa do 25 de Abril, a intervenção criadora e democrática dos trabalhadores e do povo e o percurso feito constitui um exercício político muito útil a todos os que se batem pelas liberdades e pela democracia, pela soberania, pelo desenvolvimento da sociedade. Merece uma saudação pública o Presidente da Assembleia da República, que tem lembrado com muita objetividade que a emergência jamais pode suspender a democracia. Se a Assembleia da República está a funcionar, e bem, como admitir a não celebração institucional do 25 de Abril aí no Parlamento?

A pandemia que nos está a aprisionar é um acontecimento histórico de condições inéditas. Vão acontecer mudanças, provavelmente profundas, que serão positivas ou negativas, conforme as políticas que formos capazes de executar à escala mundial e, em particular, em cada país.

Democratizar é preciso porque o poder financeiro e económico se sobrepõe ao poder político representativo e a justiça também se lhe submete em muitos casos; porque em muitas empresas e serviços a democracia não passa do portão da entrada; porque as desigualdades são gritantes e as ruturas e disfunções das relações entre gerações preocupantes; porque o poder é pouco descentralizado e proliferam assimetrias.

A descolonização reivindicada em 1974 foi cumprida e bem geridos pela sociedade os seus duros impactos. Hoje o conceito desperta-nos para o desafio de conquistarmos mais soberania face à União Europeia e perante “os mercados”. De conquistar soberania para as pessoas aprisionadas nas precariedades, nos falsos determinismos tecnológicos, na falta de tempo porque o controle deste bem primordial nos está a ser roubado.

A luta pelo desenvolvimento está mais exigente. Há que reorientar a economia. Garantir a produção de bens essenciais de que precisamos e bases para se assegurar os direitos fundamentais das pessoas. Se houver coragem política os cortes orçamentais não serão uma inevitabilidade. Há soluções de monetização da despesa pública, e da própria dívida, que podem evitar o agravamento desta.

Travemos a invernia europeia e nacional.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
democracia    liberdade    25 de Abril