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28-03-2020        Jornal de Notícias

Alguns desavergonhados neoliberais vêm reclamando a necessidade de se salvaguardar a economia – tal como eles a encaram -, mesmo que isso implique a morte de milhões de seres humanos. Porque o Covid 19 causa mais mortes na geração mais velha, apresentam aos jovens esta opção como a salvação das suas condições de vida futura. Ora, muitos dos sacrifícios por que passam hoje milhões de seres humanos afetados pelo coronavírus resultam de insuficiências dos sistemas de saúde, das desigualdades profundas e da falta de proteção social causadas pelas práticas predadoras dessa economia neoliberal, denunciada pelo Papa Francisco exatamente como a economia que mata, hoje e no futuro.

Nos últimos anos, os bancos centrais andaram a fabricar dinheiro a rodos e nunca houve tanta riqueza. Por que não se desencadeiam mecanismos para ir buscar dinheiro acumulado nos offshore e em enormes grupos empresariais?

É uma evidência que o choque provocado pelo vírus é simétrico, atinge todos os países e povos quase de forma igual, mas o egoísmo e a ganância sustentam-se no assimétrico. Se não tomarmos precauções, os mercados e as suas regras encarregar-se-ão de impor respostas com mais assimetrias.

Em Portugal, muitos trabalhadores e pequenos empresários vivem já situações de grande dificuldade. Simultaneamente parte das empresas colocou o despedimento na lista das medidas prioritárias e até podemos estar à porta de haver algumas a descartar-se de trabalhadores antes de recorrerem ao Lay-off e a créditos de emergência. O Governo, que tem sido capaz de adotar medidas excecionais no que se refere a pagamento de rendas e outros encargos, devia ter a coragem de assumir medidas legislativas que assegurem os vínculos laborais, jurídicos e de facto, num período temporal definido. A sua complexa aplicação poderia assentar em sacrifícios partilhados pelas partes envolvidas, com soluções mitigadas na forma e no tempo.

Se não nos acautelarmos os colapsos serão muitos e alguns pesados. A União Europeia pode implodir face à ausência de coerência e coesão, à negação da solidariedade e equidade entre países e povos. As empresas, as pessoas e o país precisam urgentemente de financiamento, não precisam de mais dívida. No entanto, mais dívida é o que a União Europeia tem para oferecer: sob a condição de novos programas estruturais e na perspetiva de mais uns “resgates”. Mesmo os eurobonds ou os coranabonds, que alguns reclamam enquanto dívida mutualizada, não deixa de ser dívida também nossa.

Diversos economistas têm vindo a falar de duas alternativas ao acumular de dívida: a primeira, a aquisição direta pelo Banco Central Europeu de títulos de dívida aos Estados que a emitem, processo conhecido por monetarização da dívida, praticado nos EUA, no Reino Unido, no Japão e em países que têm bancos centrais normais. A outra, a emissão de títulos públicos a serem utilizados por pessoas, empresas, etc, em território nacional e em todo o tipo de transações, contra a garantia, por parte do Estado, de os aceitar de volta como meio de pagamento de impostos e taxas. Seriam na prática quase-dinheiro, quase-moeda. Estas alternativas são proibidas pelos tratados da União Europeia!?

Quando os caminhos que nos indicam são o desastre e as propostas nos repugnam, mesmo o que é proibido tem de ser feito.
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(1)  PS: parabéns ao Empresário José Teixeira pela sua exemplar atitude (Expresso, 28.3)


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
UE    dívida    eurobonds    economia    neoliberalismo    COVID-19