Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
07-03-2020        Jornal de Notícias

No início da manhã do dia 27 de fevereiro, na Quinta da Parvoíce, em Setúbal, o Instituto da Habitação e Reabilitação Humana (IHRU), não esperando pela decisão do tribunal sobre uma providência cautelar requerida por seis moradores, e denotando uma atitude que moralmente em nada abona em seu favor, desencadeou uma ação de demolição de casas ainda em construção. Outras casas ali existentes e já habitadas teriam tido igual destino - conforme editais anteriormente afixados nas suas portas - não fosse a solidariedade de várias pessoas e instituições. Entidades públicas e algumas forças políticas ficaram silenciosas, mesmo depois da comunicação social nos ter mostrado o drama. E a Justiça não foi capaz de dar, em tempo útil, uma resposta a uma providência cautelar.

Os habitantes daquele espaço são famílias pobres, imigrantes em geral vindos de países lusófonos, com trabalhos de baixa qualificação na construção civil, em atividades sazonais e em serviços de limpeza, em particular em unidades de turismo de Troia. Por que não dispõem de rendimentos para pagarem rendas, deitaram mão dos seus parcos recursos económicos, do seu próprio trabalho e de forte solidariedade de vizinhos e amigos - como fizeram tantos emigrantes portugueses no passado - e foram construindo as suas modestas casas naqueles terrenos que são reserva florestal e ecológica.

O processo de construção arrastou-se no tempo, não foi uma empreitada de uma noite ou de uma semana. Se tivesse havido mais atenção por parte dos poderes locais e vontade política das instituições competentes, teria sido possível uma intervenção preventiva a evitar que a construção clandestina prosseguisse. É claro que tal atitude obrigaria à procura de soluções dignas e isso dá trabalho e instabiliza as rotinas do poder.

O IHRU, que certamente não desconhecia a situação - ainda no verão passado se registou naquela zona um grande incêndio – optou por ir empurrando o problema com a barriga em vez de partir para uma resposta de realojamento com rendas sociais adequadas. Que soluções acabarão por arranjar, agora que foram impelidos a agir?  Naquela mesma Quinta existe outro aglomerado de cerca de 50 habitações, precárias e habitadas, em terreno que fora do IHRU e se encontra sob tutela da Câmara, problema que também precisa de ser resolvido.

A situação da habitação em Portugal - que em 2018 apenas dispunha de 2% do stock total da habitação como habitação pública - tende a tornar-se explosiva. Os sensos de 2021 deverão dizer-nos onde e como se encontram hoje os portugueses a viver. O boom do turismo está a provocar fortíssimo agravamento do custo da habitação nos grandes centros urbanos e em periferias cada vez mais amplas. Esse facto, os efeitos das políticas de austeridade e a persistência dos baixos salários estão a privar, não só os pobres, mas também a classes médias populares e trabalhadoras, de acesso a uma habitação digna.

O Estado não pode deixar de socorrer as famílias mais pobres e vulneráveis e não o está a fazer. A consequência disso e da pobreza de quem trabalha é depararmo-nos com uma cada vez maior “fila” das famílias empobrecidas, incapazes de suportar os encargos que têm com a sua habitação. É a partir destas desgraças que o populismo e os políticos retrógrados se alimentam.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva