Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
08-02-2020        Jornal de Notícias

Só agora, quase quarenta anos depois da revisão constitucional de 1982, estão a tornar-se claras para o comum dos portugueses as consequências das privatizações. O que resultou desse processo foi desnacionalização. Desnacionalização no sentido literal da palavra – transferência da propriedade e do controlo de grandes empresas para pessoas e instituições sediadas no exterior.

Aconteceu com o sector financeiro (Banca e Seguros), com as telecomunicações (CTT-TLP), com a energia (REN, EDP e em parte Galp), com os transportes (TAP), mas também com muitas empresas pequenas e grandes em diversos sectores, assim como com a terra alentejana irrigada pelo Alqueva e, mais recentemente, com o imobiliário das grandes cidades.  

O processo decorreu em três fases. Na primeira, a retórica dos “centros de decisão em mãos dos investidores nacionais” serviu para entregar empresas a “bom preço” a velhos grandes grupos e a novos grupos emergentes. Essa fase culminou na descoberta de que a entrega a investidores nacionais em nada garantia a localização dos centros de decisão em território português. O caso paradigmático foi o do Banco Totta e Açores oferecido ao grupo Champalimaud para rapidamente ser passado ao Santander.

Na segunda fase, a preocupação com o controlo nacional dos centros de decisão foi substituída por uma eufórica abertura ao “investimento direto estrangeiro”, sem distinções de pátria ou credo, mas ainda assim com preferência pela integração em cadeias de valor com vértices localizados na Europa.

Já a terceira fase – durante o consolado da troica – foi a da venda ao desbarato sem olhar a quem. Era urgente! Saíram-nos na rifa sobretudo capitais com origem em Angola e na China; no que toca à Banca, também em Espanha.

O dinheiro não tem cor e o capital não tem pátria – dizem-nos muitas vezes. “Pouco interessa a nacionalidade do patrão desde que pague os salários” ouve-se amiúde. Mas será mesmo assim? Não existirá uma diferença entre grupos económicos enraizados no território e outros sem raízes que não sejam as que os ligam aos países (e Estados) de origem?

Nunca no passado recente foi tão claro como hoje que existem articulações importantes entre governos nacionais e grupos económicos que, embora transnacionais, têm raízes nacionais. Assim como existem estratégias geopolíticas e geoeconómicas que articulam os interesses dos Estados com os de grupos económicos. Isso é uma evidência nos EUA, na China, na Alemanha e noutros países. São sistemas com especificidades relativas a cada país, mas em todos os casos formados por Estados, por governos e por empresas, em regra com projeção internacional.

Desnacionalizada a economia portuguesa é pouco claro o lugar que resulta para o nosso país no xadrez desses sistemas geoeconómicos: por certo será pouco importante e muito instável. Clara é a constatação de que a desnacionalização nos retirou capacidade de condicionar a nosso favor os processos de inserção internacional da nossa economia.

Mudamos de donos disto tudo, trocamos uns Santos por outros Santos que só o diabo saberá distinguir dos primeiros. Pode parecer que tudo ficou na mesma ou quase, mas não é assim. A desnacionalização da economia portuguesa arrastou consequências que só agora começamos a experimentar em todas as suas implicações.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva