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18-01-2020        Jornal de Notícias

O ato oficial da reabertura das oficinas da CP, sediada em Guifões, mereceu a atenção na opinião pública até pelo justo relevo que o governo lhe deu. Foi uma notícia recebida como boa surpresa, mas importa aproveitá-la para refletir sobre o que podemos produzir no nosso país.

Em 1995, cerca de um quarto dos portugueses que trabalhavam por conta de outrem, 951 mil, exerciam a sua atividade na indústria transformadora, setor estratégico para o desenvolvimento do país. Em 2017, restavam 715 mil, ou seja, cerca de 17% dos trabalhadores por conta de outrem. Neste espaço temporal, Portugal, que tanto necessitava de reforçar a sua industrialização, dado que a começou muito tarde e se encontrava em posição de país semi-periférico com baixa margem para a valorização da produção e do trabalho seguiu, em grande medida, o rumo oposto e desindustrializou-se.

Há quem diga que a desindustrialização é uma marca dos tempos modernos a que não podemos fugir. Mas, quando observamos o caso português, vemos que o desaparecimento de importantes empresas e subsetores da nossa indústria esteve ligado a um conjunto concreto de causas, nomeadamente: i) os termos da adesão à CEE (hoje UE) e as opções de políticas seguidas pelos governos, que colocaram atentismo nas orientações e no papel da UE, chamando modernidade a dinâmicas oportunistas de negócio e secundarizando responsabilidades que nos cabiam; ii) a secundarização do papel do Estado, através de deliberado abandono do planeamento e pelos espúrios negócios promovidos com as privatizações e a financeirização da economia; iii) a  política comercial e determinações da União, que pouco ou nada tinham (e têm) a ver com a criação de condições para o desenvolvimento de países como Portugal.

As consequências estão à vista: perdemos parte importante do sector económico com maior potencial de crescimento da produtividade, tornamo-nos mais dependentes de importações, faltam-nos instrumentos para a melhoria de condições de vida das populações, como é o caso do transporte ferroviário de qualidade, primordial na garantia de boa mobilidade e coesão territorial.

O enfraquecimento, desmantelamento e depauperação da CP - combatidos justamente pelos sindicatos e alguns altos quadros - não se suportou em racionalidade de gestão ou de reforço do setor ferroviário. É acertado trazer as oficinas, anteriormente levadas para a EMEF, para dentro da CP e, acima de tudo, procurar-se uma estratégia integrada para todo o setor da ferrovia que englobe respostas às necessidades de melhoria e ampliação das capacidades circulantes e outras da CP, dos Metros de Lisboa e Porto e dos Metros de Superfície.

É possível desenvolver a produção nacional nesta área. Alguns velhos do Restelo dizem que não há escala para estruturar em Portugal este setor. Ora, se inventariarmos as necessidades prementes e as das décadas próximas, é caso para reivindicarmos ao governo que promova rapidamente compromissos entre gestores e as universidades, que encontre parcerias necessárias para se por em marcha um cluster neste setor. Trabalho não vai faltar e não estamos impedidos de trabalhar para o exterior.

Ainda se pode ir a tempo de aproveitar o know-how de uma geração para responder a pressões imediatas e preparar novos trabalhadores, que devem ser valorizados.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
UE    indústria    trabalho    ferrovia