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29-12-2019        Jornal de Notícias

Vivemos um tempo extraordinário de avanços técnicos, científicos, comunicacionais, mas em sociedades humanas onde, em várias latitudes e muito à escala global, os “poderosos do nosso mundo” impõem a cegueira moral, ética e comportamental que arrasa os Direitos Humanos e destrói as liberdades. Aqueles poderes endeusam o lucro e a competitividade, mercantilizam o trabalho e promovem o individualismo exacerbado para travarem a construção da vontade consciente e organizada de conjuntos de seres humanos. Somos convidados a adequarmo-nos e até a utilizar tecnologias que estupidificam e nos distanciam da responsabilidade individual e coletiva. Querem-nos acantonados nas nossas incapacidades, azedumes e culpabilizações, submissos e indiferentes, distanciados das realidades da vida. As fake news, substituem a informação e as reflexões sustentadas. Apesar de muitos povos nos mostrarem, em múltiplos campos, que estamos hoje mais adultos que em qualquer outro período histórico, em muitos países e regiões somos encaminhados para o caos da irracionalidade, para a harmonia da selva.

Não há direitos sem deveres. José Saramago tomando esse princípio – a Declaração Universal dos Direitos Humanos e outras Declarações das Nações Unidas (ONU) incorporam-no –, no banquete de entrega do Prémio Nobel, em 10 de dezembro de 1998, exatamente cinquenta anos depois dessa importante Declaração, realçou que “nenhuns direitos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem, o primeiro dos quais será exigir que esses direitos sejam não só reconhecidos, mas também respeitados e satisfeitos”. Nasceu aí a inspiração para se criar uma Carta Universal de Deveres e Obrigações dos Seres Humanos. Alguns anos depois, a Universidade do México (UNAM) assumiu o desafio colocado pelo Prémio Nobel e, depois da realização de muitos debates, encontros e conferências em vários países, com personalidades de múltiplas formações e saberes e um empenho excecional da Pilar del Rio, essa Carta, composta por uma introdução, um preâmbulo e 23 artigos (ver site da Fundação Saramago) foi concluída e entregue, em 2018, ao Secretário-geral da ONU (António Guterres), ao Presidente da Assembleia desta instituição e à Comissão dos Direitos Humanos.

Ao entrarmos num novo ano e numa nova década carregados de problemas a necessitarem de ser resolvidos, assumamos, que o direito à vida digna e ao trabalho digno, os direitos à saúde, à educação e formação, à justiça, à igualdade, à proteção em múltiplos condições, não são algo que pertence ao Estado e este nos dispensa através da ação dos governos, mas sim pertença das pessoas, de cada um de nós. O Estado e suas instituições e órgãos têm grande responsabilidade na garantia e efetivação dos Direitos Humanos e os cidadãos nunca podem secundarizar essa responsabilização, mas cada um de nós, agindo individualmente, ou nas organizações a que pertencemos, tem o dever e a obrigação de lutar por eles com todo o empenho. E exijamos que na Escola Pública se ensinem os Direitos Humanos e os deveres que eles acarretam.

Na epígrafe de Ensaio sobre a cegueira está escrito: “Se podes olhar vê. Se podes ver repara”. Reparemos e sejamos responsáveis. Usemos o nosso olhar, a nossa voz e a nossa força individual e coletiva para fazermos de 2020 um Bom Ano.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
cidadania    direitos humanos    ONU    democracia