Vai-se confirmando que o governo tende a encarar a governação - no plano económico, nas reformas da Administração e dos Serviços Públicos, nas relações Estado/ privados – prioritariamente como negócios, com cheiro a barganha. Na discussão do Salário Mínimo Nacional já se haviam sentido laivos dessa postura e esta semana registaram-se novos sinais nas “propostas” provocatórias feitas aos sindicatos da Administração Pública. Entretanto, os pronunciamentos do governo, das confederações patronais e sindicais no final da primeira reunião da Concertação Social para discutir o “Acordo de Médio Prazo sobre Competitividade e Rendimentos” e, em particular, o conhecimento dos conteúdos deste, evidenciam essa opção do governo.
Os líderes das confederações patronais enunciaram um conjunto de medidas que o governo já lhes assegurou, na área fiscal e outras, que valem muitas centenas de milhões de euros. O Presidente da CIP acrescentou que, no Orçamento de Estado para 2020 já ficam sinalizadas medidas para o futuro e que “gradualmente, orçamento após orçamento, vamos obter ganhos”. Os dirigentes sindicais confirmaram as benesses aos patrões inscritas nas propostas do governo: o Secretário Geral da UGT manifestou-se “desiludido” pela ausência de conteúdos vantajosos para os trabalhadores, enquanto o Secretário Geral da CGTP, explicou como as “compensações” oferecidas aos patrões nesta proposta, significam colocar os portugueses que pagam impostos e os trabalhadores em particular a subsidiarem os seus próprios salários. Num exercício para distrair e convencer parvos, a Ministra do Trabalho fez de conta que os patrões tinham estado calados e disse que na reunião apenas se identificaram temas e áreas de interesse das partes e conteúdos de caráter geral. Haja honestidade política.
Nesta reunião os trabalhadores foram desconsiderados e os sindicatos colocados em posição de meros observadores dos negócios em curso. É curioso observar que no Programa do Governo está inscrito um acordo de médio prazo sobre “salários e rendimentos” e agora aparece sobre “competitividade e rendimentos”. Como se sabe, o conceito competitividade tem um grande rasto de manipulação para servir negócios escuros e para comprimir salários.
O conteúdo da proposta de Acordo confirma que os negócios são chorudos. O objetivo de crescimento dos salários para 2023 (3,2%) é igual ou inferior (faltam dados do quarto trimestre de 2019) ao crescimento dos salários neste último ano. Trata-se assim de seguir as reclamações dos setores patronais conservadores que querem “travar a dinâmica altista dos salários”. O governo oferece compensações aos patrões pelo cumprimento de leis em várias áreas, entrega-lhes erradamente a execução de políticas públicas em áreas diversas como a formação e o reforço de qualificações, secundarizando os direitos das pessoas e o papel da Escola, induz a perspetiva de substituição de parte do salário por rendimentos indiretos associados à prestação de serviços públicos, cujos custos recaem sobre os impostos pagos por todos nós. O pagamento de um salário justo deve ser, como é evidente, da responsabilidade das empresas.
Por esta via, António Costa rapidamente desbaratará a confiança e as dinâmicas positivas que havia conquistado.