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07-12-2019        Jornal de Notícias

Será que no final da preparação, discussão e aprovação do Orçamento de Estado (OE) para 2020 teremos um cenário político dinâmico e mobilizador dos portugueses, ou vão ampliar-se os sinais de uma governação encalhada que amiúde nos atormentam nos últimos tempos? 

Quando, em 2015, os partidos da Esquerda definiram compromissos parcelares, mas convergentes, para que o Partido Socialista pudesse formar governo e tivesse apoio parlamentar estável, considerei que seria possível encetar-se um ciclo político de reformas progressistas – no período de algumas legislaturas - que pusesse termo às políticas de autoflagelação em que os portugueses haviam sido enfiados, desde praticamente o início do século, e projetasse um rumo de desenvolvimento humano e social, económico, cultural e político.

Colocavam-se várias exigências para o êxito desse processo reformista: primeira, o azimute político a seguir teria de, no fundamental, respeitar as balizas que vão da consideração programática do Partido Socialista todo, até aos limites dos programas dos campos à sua esquerda; segunda, era necessário dar pequenos passos de reversão das imposições mais violentas e simbólicas do austeritarismo, mas passar progressivamente para objetivos estratégicos.

A primeira legislatura, em geral, correu bem porque o caderno de encargos resultante dos compromissos entre as forças que compunham a maioria parlamentar era de mínimos e correspondia aos pequenos passos iniciais necessários. Além disso todos os partidos da maioria agiram com forte sentido de responsabilidade, fator mobilizador e estabilizador da sociedade. Contudo, no último terço da legislatura tornou-se evidente que o governo não apostava nas mudanças estruturais necessárias.

Na saúde, o ensaio de última hora foi pobre e contraditório. No trabalho, António Costa vem apurando o discurso progressista e na prática guinando à direita. Na educação, na gestão do território, na revitalização da Administração Pública nada avançou. Nestas áreas vitais os problemas agudizam-se. A situação complicar-se-á se o OE não trouxer novas respostas. Mas as medidas para se garantir, por exemplo, uma boa gestão da Administração Pública ou a capacitação do SNS chocam com questionáveis pressupostos das “contas certas”.

Hoje parece evidente que o PS e António Costa geriram o período pós-eleições com sobranceria; que o “otimismo irritante” aplicado a processos de pesca à linha pode ser desastroso; que o reforço do PS não acrescentou solidez e estabilidade, antes pelo contrário; que seria vantajoso o OE 2020 ser bem urdido à esquerda, com definição e ordenação das prioridades e dos meios a afetar; que o contexto europeu e internacional fosse interpretado, não apenas pela cartilha seguidista que o “PS sozinho” adota face aos poderes dominantes da União Europeia ou da Nato, mas também com perspetivas críticas; que os setores empresariais retrógrados se sentissem menos à vontade para chantagearem o OE e para promoverem cenários apocalíticos que travam o crescimento dos salários, estratégia que há de conduzir à contínua emigração dos trabalhadores qualificados e à degradação do perfil da economia.

O capitão do barco quererá mesmo desencalhá-lo? É isso que se deseja.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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