Estimado Presidente Iván Duque Márquez, receba as minhas saudações cordiais.
Sou um cientista social português, animador do Fórum Social Mundial, Professor Jubilado da Faculdade de Economia e Director Emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Distinguished Legal Scholar na Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison. Desde há muitos anos tenho vindo a realizar diversas investigações sociológicas na Colômbia e região. Além disso, neste momento, sou membro do Comité Assessor da Comissão para o Esclarecimento da Verdade, a Convivência e Não Repetição, mas não é nesta qualidade que lhe escrevo. Escrevo-lhe na qualidade de democrata comprometido com as lutas pela paz e pela democracia no continente. Tendo em conta que, em muitas ocasiões, manifestei a minha solidariedade com todos e todas aqueles que lutam na Colômbia pela paz e pela democracia, tomo a liberdade de escrever esta Carta Aberta devido aos graves acontecimentos na Colômbia.
Presidente, quantos massacres tem de acontecer para começar a actuar? Desde 2016 até hoje, quando escrevo (23 de Novembro), foram assassinados 198 indígenas. Desses 198, 135 foram-no durante o seu Governo. Mas não quero reduzir estas pessoas a simples números, elas e eles, eram líderes nas suas comunidades, autoridades tradicionais e espirituais, de uma importância tal que não se trata apenas do assassinato de uma pessoa, mas do impacto em toda uma comunidade. Devo recordar-lhe que, dos 102 povos indígenas que existem na Colômbia, 39 encontram-se em risco de extinção tanto física como cultural. Se a essas terríveis cifras somarmos os homicídios supra citados, o panorama é aterrador.
Após a assinatura do acordo de paz de 2016, as zonas que antigamente foram do domínio do grupo guerrilheiro FARC – EP hoje são disputadas por distintos grupos armados ilegais, os quais não só buscam interesses económicos (narcotráfico, mineração ilegal) mas também trazem consigo um horrível e sangrento interesse pelo controlo sobre a população civil, afectando o tecido social. Fruto desta disputa, temos visto no último mês notícias sobre massacres no Cauca, mas que não se limitam apenas ali, pois constituem apenas a ponta do iceberg deste novo panorama de violências: desconhecemos ainda quantas populações indígenas e afrodescendentes se encontram confinadas e isoladas nos seus territórios ancestrais graças a esta nova arremetida do conflito armado.
A Defensoría del Pueblo emitiu atempadamente múltiplos alertas chamando a atenção sobre a situação de risco em que se encontram os líderes sociais do país. Estes líderes, defensores e defensoras dos direitos humanos, têm sofrido a violência sistemática de grupos à margem da lei, nas quais assistimos a um incremento nos homicídios especialmente contra pessoas racializadas, ou seja, indígenas e afrodescendentes. Não exagero, senhor Presidente, ao dizer que o que vemos na Colômbia é um etnocídio contra uma parte específica da população: aquela que defende e luta pelo seu território, as suas tradições e pela sua existência física e cultural.
Estas últimas notícias sobre o Cauca, que nos chocaram a todos e incluso o levaram a dirigir-se pessoalmente à região, não podem resolver-se com mais guerra e mais terror. A militarização do Cauca deixará apenas mais e mais vítimas, seja pela deslocação forçada, seja pelo fogo cruzado. Submeter a população ao medo e à angústia é instrumental para estes grupos armados ilegais, pois essa é a sua principal estratégia para obter o tão desejado controlo territorial. Face a esta onda de violência, devida a estes velhos e novos actores armados, a melhor opção em prol das comunidades que ali vivem é escutá-las.
Um claro exemplo disto é a proposta que lhe apresentaram de iniciar um "Plano Piloto de Erradicação e Substituição de Cultivos de Uso Ilícito" de maneira imediata, no âmbito do Programa de Substituição de Cultivos de Uso Ilícito. A situação é tão dramática que só no município de Suarez (Cauca) encontram-se em situação de risco 11.229 habitantes, o equivalente a 65,9% da população total deste município. A maioria desta população situa-se na zona rural, organizada em Resguardos Indígenas, Conselhos Comunitários, Associações de Camponeses e Juntas de Acção Comunal.
Enquanto isto sucede no Cauca, na área rural de Buenaventura, 12.289 habitantes de distintos territórios colectivos encontram-se em risco de deslocação forçada, tendo em conta o incremento nas intimidações e ameaças contra a vida, liberdade e integridade das pessoas, gerando restrições na mobilidade. O conflito armado nesta parte do país está a gerar grandes deslocações territoriais de índole diversa.
De igual maneira, o centro urbano encontra-se em risco pela presença de estruturas armadas ilegais, e os confrontos pelo controlo territorial entre os grupos armados “Banda Local” e “La Empresa”, para além de grupos autodenominados como dissidentes das FARC – EP e o Exército de Libertação Nacional – ELN. Recorde, senhor Presidente, que, segundo a cosmovisão destas comunidades, os seus resguardos e conselhos comunitários devem estar livres de grupos armados legais e ilegais, já que ambos geram desarmonia e desequilíbrio tanto no território como na comunidade.
Com o regresso dos assassinatos selectivos, do etnocídio e da violência nos territórios, também ressurgiu uma prática que na década passada aterrou o país: os mal chamados falsos positivos, assassinatos de jovens inocentes e desarmados para melhorar a estatística da acção militar de combate contra grupos armados. Não se pode permitir que estes macabros acontecimentos voltem a ocorrer num país em que tudo se joga pela paz, pela reconciliação e a não repetição. Peço-lhe a si, como chefe de Estado e chefe do governo, que condene todas as violações das garantias democráticas da Greve Nacional de 21 de Novembro de 2019 levadas a cabo pelo sinistro Esquadrão Móvel Antidistúrbios (ESMAD). O mal-estar dos cidadão não pode ser objecto de estigmatização e repressão. Deve repudiar firmemente a atitude que assumiu a força pública ao atacar e provocar as manifestações pacíficas de uma cidadania que deseja uma verdadeira mudança.
Finalmente, senhor Presidente, a Colômbia encontra-se hoje num momento histórico. Talvez desde 1977 que o país não presenciava uma jornada de greve cívica como a de 21 de Novembro, que não parou apenas o país, mas que também nos demonstrou o clamor popular dos estudantes, professores, sindicalistas, indígenas, mulheres e demais participantes. As pessoas, tanto nos territórios periféricos como nas grandes cidades, protestavam contra o seu governo profundamente impopular e, em função disto, algo deve mudar. Devem ser escutadas as suas justas reivindicações e procurar-se uma saída pelo bem do país, para assim se poder construir uma Colômbia em paz.