Estão aí as discussões sobre o Salário Mínimo Nacional (SMN) e sobre Política de Rendimentos, temas que tenho pontualmente tocado neste espaço, mas que merecem aprofundamento. O governo parece querer fazer a gestão destes dois dossiers confinada ao espartilho da agenda e dos equilíbrios/desequilíbrios da Concertação Social. Tenho como certo que, se o debate e compromissos não forem muito para além desse espaço, não teremos acordos a puxar pelo desenvolvimento do país e das condições de vida da generalidade dos portugueses, mas sim a consolidar travagens.
O SMN pode ser atualizado ano a ano mas essas atualizações devem inserir-se numa estratégia, onde não cabe mais a estagnação salarial que ainda marcou a última legislatura. O governo, até agora, limitou-se a perspetivar um valor do SMN insuficiente para 2023 (750 euros), sem nada avançar de concreto sobre cinco grandes desafios cruciais para o país, que balizarão muito os conteúdos de uma verdadeira política de rendimentos: i) subida generalizada dos salários associada a rápida melhoria das qualificações e das carreiras profissionais; ii) alteração cirúrgica de mecanismos estruturais e legais que sustentam a injusta distribuição do rendimento do trabalho, condição necessária para se concretizar o aumento geral dos salários; iii) combate ao enviezamento e enfraquecimento das estruturas produtivas e incremento de atividades com maior valor acrescentado e emprego qualificado; iv) melhoria das mobilidades/transportes e da gestão do território; v) valorização e qualificação dos serviços públicos e dos seus profissionais, sendo imperioso que o governo encare duras realidades que entram pelos olhos dentro de qualquer cidadão português atento: o SNS continua a degradar-se perigosamente e a escola portuguesa debate-se com bloqueios em vários patamares.
A política de rendimentos não é um exclusivo da Concertação Social. O que ali (por direito) for discutido tem de ser bem balizado pelo governo e também pelo Parlamento. Acresce que a nossa Concertação é muitas vezes mal municiada pelo governo e influenciada pela estreita solidariedade dos afetos, está refém de representantes patronais que continuam a reclamar do Estado "contrapartidas", nomeadamente pelo cumprimento do SMN como se este fosse um subsídio social, e por práticas de parte dos representantes dos trabalhadores viciada em cortar as unhas até ao sabugo antes de ir à luta, para não magoar o adversário.
Hoje, o Primeiro Ministro e vários setores patronais reconhecem, que há escassez de mão de obra. Chegámos a esta situação em resultado dos salários de miséria para a maioria de quem trabalha, do enfraquecimento da negociação coletiva, do aumento do emprego num quadro de enorme redução da população ativa, decorrente da emigração.
Enquanto alguns empresários afirmam ser necessário romper com este quadro, surgem múltiplos interesses patronais, instalados na matriz de baixos salários e na pedinchice ao Estado, a recearem que a concorrência interempresas possa desencadear uma “tendência altista” dos salários e toca de se precaverem com a reclamação de acordos travão, quer no SMN quer na política de rendimentos.
Está nas mãos do governo a possibilidade de impedir esses oportunismos e de construir propostas e gerar maiorias políticas que promovam o desenvolvimento do país.