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28-09-2019        Jornal de Notícias

O INE divulgou há dias uma atualização das Contas Nacionais. Embora a atenção, inclusive na campanha eleitoral, tenha incidido sobre a revisão em alta, dos valores do Produto Interno Bruto (PIB) dos últimos anos, há, nas contas nacionais, outros aspetos bem mais relevantes que umas décimas a mais ou a menos no PIB. Um deles diz respeito ao investimento, ou à falta dele.

Desde 1995, nunca como nos últimos anos, o investimento foi tão reduzido em Portugal. Em 1995, 23% do PIB era dedicado a investimento, em 2014 afundou-se nos 15%, entretanto registou-se uma pequena recuperação, mas em 2018 é ainda, cerca de 18%. Ao mesmo tempo, nunca o peso da remuneração do capital no PIB foi tão elevado: 41% em 1995, em 2018 48%, depois de ter batido um infame recorde de 49% em 2016.

Como é isto possível? Uma fatia maior da riqueza produzida ir para o capital e uma parte menor da mesma riqueza para investimento? Então não é suposto serem precisos mais lucros para haver mais investimento?

O que as Contas Nacionais sugerem é que - entre 1995 e os nossos dias - alguma coisa estrutural e importante se rompeu na economia e na sociedade. A partir do ano 2000, lucros e investimento entraram em divergência: lucros para cima, investimento para baixo. Enquanto no ano 2000 o investimento correspondia a cerca de 70% dos lucros, hoje (2018) corresponde apenas a 42%, isto depois de em 2013 ter batido no fundo com uns míseros 34%.

Desde o início do milénio cada vez menos os lucros são reinvestidos de forma produtiva. E a recuperação do emprego e do produto na última legislatura quase não mudou a situação. Porquê? Há duas explicações possíveis, ambas relacionadas com os múltiplos destinos que podem tomar os rendimentos dos capitais. Eles podem ser consumidos ou investidos, mas também aplicados em ativos financeiros ou imobiliários. Neste caso valorizam-se, mas pouco ou nada contribuem para a capacidade de criação de riqueza do país.

A primeira explicação do declínio do investimento remete para estagnação da procura. Com os salários reais estagnados desde 2000 e as despesas públicas reprimidas, a procura e o consumo pouco ou nada aumentaram a partir do início do milénio, tendo regredido entre 2008 e 2012. Investir para quê se não há procura solvente para mais produtos e serviços?

A segunda explicação relaciona-se com a proliferação de novas formas de colocação dos lucros em aplicações financeiras ou no imobiliário, com ótimo retorno e liquidez, no contexto mais geral da financeirização da economia.

As Contas Nacionais parecem confirmar um diagnóstico que não é novo. Quando os rendimentos do trabalho caem em termos absolutos ou em percentagem da riqueza nacional e a procura se ressente desse movimento, os capitais procuram oportunidades de valorização, não na esfera produtiva, mas no mundo das finanças e do imobiliário.

É preciso definir a terapia: chama-se revalorização do trabalho. Daí resultará um regresso a taxas de investimento normais e até, por estranho que pareça, lucros mais robustos. E por acréscimo menos jogos de roleta nos mercados financeiros.

Parece fácil e é, mas incomoda os que se têm apropriado da riqueza. Há que colocar o tema no debate eleitoral.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva