Há seres humanos que deixam vazios difíceis de preencher. O professor jubilado da Universidade de Coimbra Jorge Leite, falecido no passado dia 24, é um desses casos.
É inigualável o seu contributo para uma perspetiva emancipatória do Direito do Trabalho - a que verdadeiramente lhe dá sentido. Um objetivo o guiava sempre: a dignidade do trabalhador. Era a partir dela que identificava direitos e deveres.
Foi um extraordinário professor e pedagogo. Reconhecem-no os seus pares na academia, como bem foi lembrado numa singela homenagem no dia do seu funeral. Imensos professores de direito e de outras áreas, juristas portugueses, brasileiros, espanhóis e outros, magistrados, atores de instâncias e organizações do trabalho, políticos de várias sensibilidades comungam deste reconhecimento.
Entretanto, através de escritos e de centenas de comunicações, palestras e conferências que realizou a convite da CGTP-IN (que sempre acarinhou), mas pontualmente também da UGT, de inúmeras federações sindicais, sindicatos e comissões de trabalhadores, Jorge Leite tornou-se um dos maiores formadores sindicais da nossa democracia. Articulava de forma brilhante e eficaz as dimensões técnicas e cívicas. As suas reflexões suportavam-se numa visão integrada do Ser Humano, em leituras das realidades económicas, sociais, culturais e políticas, numa cultura riquíssima e numa honestidade intelectual à prova de bala.
Jorge Leite não nos deixa uma obra muito estruturada de "forma clássica" e não conseguiu publicar as suas lições como professor e outros textos que tinha em preparação - alguém terá de deitar mão a essa tarefa com autorização e apoio da sua família. Mas é imenso e de enorme qualidade técnica e científica o conjunto de artigos publicados em revistas e de pareceres produzidos, uns de autoria exclusiva, outros partilhados. Alguns são autênticas obras primas e impuseram-se na jurisprudência portuguesa: recordo um sobre o conceito de tempo de trabalho, salvo erro de 1996, o parecer sobre despedimentos feito em parceria com Vital Moreira e Gomes Canotilho no final dos anos oitenta, alguns artigos de combate ao trabalho infantil e, mais recentemente, textos de denúncia das maldades do austericídio da troica/PSD-CDS.
A vida deste Homem é a história de quem cumpriu a missão de ajuda, "no plural, ao coletivo", com inigualável inteligência, capacidade técnica, generosidade e coragem. Reagia forte em tempos de "cerco ideológico" ao direito do trabalho que ressurgem amiúde: umas vezes por imposições de estratégias políticas conservadoras e antilaborais; outras pelas "condescendências" que conduzem ao sacrifício dos direitos dos trabalhadores no altar da competitividade, aos imperativos da "desvalorização interna", às instabilidades e inseguranças (precariedades) em nome da modernidade da sociedade do vazio que individualiza para acantonar e aniquilar.
Duas excecionais características o marcavam. Primeira, partia da identificação clara do campo em que se situava politicamente e no trabalho - incomodavam-no os que proclamam neutralidade para darem força a posições "técnicas" - e, a partir daí, com independência, fundamentava as suas críticas e propostas. Segunda, tinha um enorme interesse pela ligação direta aos problemas vividos pelos trabalhadores e era muito a partir dessa observação que construía a sua interpretação jurídica objetiva e a mensagem de pedagogo.
Querido Jorge, continuaremos a escutar-te com imensa alegria.