Em tempos pré-eleitorais as línguas tendem a soltar-se, tornando agreste o debate político. Mesmo assim, aquela afirmação proferida por Carlos César, “o Bloco não manda na Assembleia da República, nem manda no país”, não deixou de chocar pelo que representa de dissonância entre o Partido Socialista – trata-se do presidente do seu Grupo Parlamentar – e pelo menos um dos partidos que têm participado na maioria parlamentar que sustenta o Governo do PS, desde 2015, para algum alívio da maioria dos portugueses.
Carlos César é um político com longo passado, mas progressivamente identificado como peixe das águas profundas do centrão político e de interesses. Está um daqueles políticos enfatuados, prenhes de poder, que se julgam intérpretes naturais da “responsabilidade” e do “rigor”, que consideram aventura toda a proposta ou ação de reforma/rutura com sentido transformador. Nunca sente necessidade de esclarecer as suas posições erráticas ou as do seu partido e tem horror à instabilização do seu espaço. E tal como fez a Direita através de Passos, Portas e suas comanditas, Carlos César convocará todos os diabos imaginários para os associar a propostas de reforma dos partidos à sua esquerda.
A frase de Cesar é chocante, desde logo, porque exprimindo o óbvio, esconde outra parte importante da verdade. Na realidade, uma característica deste quadro parlamentar é que nenhum dos partidos representados na AR “manda” no Parlamento. Ninguém manda e o Governo subsistiu por ser capaz de negociar e posicionar-se no respeito pela parte de poder que cada partido detém. A sentença de César parece sugerir – e esta é segunda razão pela qual a frase é chocante – que quem manda lá é ele e mais ninguém. Trata-se de arrogância intolerável.
Admitamos que César seja apenas porta-voz de uma parte do partido do Governo que, como é notório, deseja “mandar” a partir de uma maioria absoluta sonhada para as próximas eleições. Será que este tipo de retórica ajuda o PS a realizar este propósito? Provavelmente não e ainda bem. Pelo contrário, esta alarvidade poderá contribuir apenas para afastar de si e do voto no seu partido, todos os que desejam precisamente que não haja quem isoladamente “mande” no Parlamento. César mostra quão importante será a Esquerda obter maioria e continuar a existir a necessidade de diálogo e um constante concertar de posições entre as suas diversas forças antes das decisões.
Entre tudo o que correu bem nesta legislatura destaca-se o facto de os partidos à esquerda do PS terem evoluído muito da crítica para a construção de soluções, sem abandonar a crítica. Quem parece estar a fazer um exercício de retorno a posições velhas e fechadas é o PS. Querer mandar, seja de que forma for, à Esquerda ou à Direita, e querer isso acima do compromisso com um projeto político coerente de progresso e justiça social para o país, será caminho perigoso.
A César o poder que é de César. Por agora reconheça-se-lhe o poder que tem, cuja dimensão real dentro do PS não imagino qual será; mas sei que a que representa no Parlamento é apenas a do seu partido, sempre condicionada pelo poder dos outros. Quanto ao futuro, evitemos dar-lhe o poder absoluto a que aspira porque, a bem da Democracia, é preferível que o poder seja partilhado.