Nos discursos do 10 de junho lá surgiu, mais uma vez, a velha tese de que os portugueses e Portugal só conseguirão desenvolver-se se surgir um projeto redentor, “unificador”, protagonizado por atores políticos puros, espécie procurada universalmente há séculos e até hoje não encontrada.
Os seus autores pegam num sentimento difuso de um pretenso vazio em que o país se encontrará e, a partir daí, assumem o papel de porta vozes de desencantados da democracia. Na realidade são, quando muito, a voz deles próprios, isto é, de parte de uma geração de classe média que só agora descobre que os elevadores sociais em que entraram não dão acesso aos pisos superiores. O povo que luta, geração atrás de geração, pela melhoria das condições do estrato ou da classe social em que se encontra e pela mobilidade positiva, sabe bem quão duro é o combate. Entretanto, hoje há um problema acrescido para todos: na escada rolante descendente do neoliberalismo, as pessoas por mais que se esforcem por subir apenas conseguem marcar passo.
Os projetos unificadores que mobilizam uma sociedade não nascem predefinidos por nenhum salvador da pátria ou “classe política” inovadora, imaculada e interprete dum pretenso sentido comum. Os projetos unificadores não se encomendam, constroem-se partindo de propostas políticas que expõem os interesses e as ideologias em jogo e quantas vezes em profundo conflito. É a partir daí, com a mobilização dos cidadãos - indispensável até para submeter os renitentes - que se fazem pontes para sustentar linhas de futuro ao serviço da esmagadora maioria.
Os portugueses já experimentaram essa possibilidade com êxito muitas vezes. Antes e depois do 25 de Abril, na luta pela liberdade e pela democracia, agiram a partir de propostas bem diferenciadas que os partidos políticos e outros atores sociais e políticos colocavam em confronto e ganharam. Foi assim quando se integraram na sociedade centenas de milhares de portugueses obrigados a regressar ao país na sequência dos processos de independência das antigas colónias. Foi assim com as realizações do poder local democrático e com o processo de criação de infraestruturas base de que o país carecia. Foi assim com as extraordinárias conquistas de direitos no trabalho, com a construção do Serviço Nacional de Saúde ou com a estruturação da Escola Pública.
A este propósito é importante afirmar que a Escola foi, é e será uma extraordinária alavanca para a ascensão social. A Escola portuguesa tem lacunas e é preciso eliminar-lhe os fatores segregadores que ainda a marcam em vários patamares. Mas a Escola só não tem desempenhado melhor o seu papel porque os fatores de segregação no “mercado de trabalho" são bem mais profundos; porque a matriz de desenvolvimento do país não tem sido capaz de acolher todas as formações feitas na Escola; e porque nas últimas décadas se cometeu o crime de maltratar os professores.
É preciso construir novos compromissos unificadores. Neste aproximar às eleições legislativas, coloquem-se em confronto as propostas das diversas forças políticas sobre como: melhorar o valor acrescentado em vários sectores da economia e garantir uma boa regionalização; reduzir encargos com a dívida; dar combate à precariedade e melhorar os salários.