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01-06-2019        Jornal de Notícias

O trabalho suplementar vem sendo injustamente pago. O último caderno do Observatório sobre Crises e Alternativas, analisa os sucessivos dispositivos legais que, desde a segunda metade do século XX e, de forma mais contundente, desde a primeira década do século XXI, procuraram flexibilizar a noção de tempo normal de trabalho. Entre esses dispositivos estão a criação de regimes de adaptabilidade e de banco de horas que, por força de várias alterações, se tornaram quase obrigatórios.

O caderno debruça-se, em particular, sobre a evolução do trabalho suplementar e do seu custo relativo. O número de trabalhadores a realizar trabalho suplementar subiu desde 2013, coincidindo com a retoma económica e com a aplicação da lei 23/2012, que alterou o Código de Trabalho, para acolher as propostas da troica e do governo PSD/CDS. O objetivo das alterações ao Código era, segundo os seus autores, conceder mais meios às empresas, “agilizando a produção e o funcionamento dos serviços”, para aumentar a competitividade. Acrescentavam que tais medidas contribuiriam para impedir o recurso sistemático ao trabalho suplementar. Entre essas alterações estão o corte para metade das majorações por trabalho suplementar - de 50 para 25% na primeira hora e de 75 para 37,5% nas horas seguintes – e a eliminação do descanso compensatório.

A entrada em vigor dessa lei, incentivou muito o trabalho suplementar: ao colocar o valor da retribuição da 1ª hora abaixo do valor da hora de trabalho em horário normal de trabalho (menos 2%); e ao pagar as duas horas seguintes apenas 8% acima do valor da hora, em horário normal de trabalho. Isso aconteceu por duas razões fundamentais.

Primeira, desde 1976, vigora uma fórmula de cálculo do valor da retribuição horária em horário normal de trabalho (tido como referência para pagar o trabalho suplementar) que não considera a retribuição dos subsídios de Natal e de férias, ao mesmo tempo que considera o período de férias e feriados como tempo de trabalho. Essa fórmula reduz, à partida, a retribuição horária do trabalho suplementar em 27,3%. Mesmo assim, o valor que os patrões tinham de pagar ainda era dissuasivo.

Segunda, porém, a lei 23/2012, cortou para metade as majorações por trabalho suplementar, tornando o valor da hora de trabalho, em trabalho suplementar, muito próximo dos valores em horário normal de trabalho.

Vale apena analisar aquele estudo. Os autores, partindo dos dados oficiais do INE, estimam que o valor total de horas extras efetivadas no país entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2018, corresponde a cerca de 12 mil milhões de euros, aplicando-se os critérios em vigor que os patrões racionalmente adotaram. Sem aqueles cortes nas majorações e se tivesse sido corrigida a formula de cálculo, os trabalhadores deviam ter recebido 17,6 mil milhões de euros. Ou seja, os trabalhadores “ofereceram” aos acionistas das empresas - naquele período de nove anos - 5,6 mil milhões de euros, e perderam o descanso compensatório que se transformou em tempo de produção. Assim se cavam injustiças e se impede a criação de muitos milhares de empregos.

O governo deve ter coerência entre os seus discursos e práticas. É tempo de fazer as correções que se impõem.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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