O significativo debate público e o comentário político sobre a “descomendarização” de Joe Berardo necessitam de alguma arrumação para nos focarmos no que é fundamental. Berardo é um indivíduo um pouco tosco e não é filho de “boas famílias”. Essa condição propicia à direita uma oportunidade única de se mostrar indignada com vilões e malandros e de, com essa atitude, procurar esconder o que é sistémico e deve ser resolvido. Enquanto vilão que é, este senhor terá de ser punido, obrigado a pagar as dívidas e ainda ser penalizado por obrigações que não cumpriu. Mas, ele é apenas um de muitos oportunistas que ao longo de décadas se aproveitaram das práticas promíscuas e de leis feitas à medida pelo centrão de interesses que nos tem governado.
É preciso uma identificação dos negócios desastrosos e das promiscuidades entre interesses públicos e privados: quais as suas causas e consequências e de quem foram os seus responsáveis, numa perspetiva sistémica e não num exercício de tiro ao alvo. Não podem passar impunes os banqueiros pilha-galinhas, os seus amigos credores privilegiados, os falsos “empresários de sucesso” (andam por aí discretos mas não desativados) tão vergonhosamente incensados em atos políticos e na comunicação social.
Não podemos permitir o parasitismo que tem tolhido o país e agravado as injustiças. Reparemos no que se passa com a banca. Depois de receber mais de 20 mil milhões de euros de dinheiro público continua, com todo o à vontade, a parasitar a sociedade portuguesa. Agora, que os bancos se gabam de estar a voltar aos lucros, seria de esperar práticas mais justas, mas não. O que está a acontecer é que todos, incluindo o Banco Público gerido como se fosse privado, se lembraram, de forma concertada ou não, de aumentar as comissões – as taxas e taxinhas – sobre toda a qualidade de transações.
Num sistema em que os cidadãos são dependentes dos serviços bancários, nem que seja pelo facto de serem obrigados a receber os ordenados, os vencimentos e as pensões por transferência, aumenta a comissão sobre um simples levantamento de numerário ao balcão, sobre a atualização de uma caderneta da CGD, sobre um pagamento por transferência e ainda, como cereja em cima do bolo, a ‘taxação’ dos levantamentos nos multibancos. Apanham o povo prisioneiro deste parasitismo e teimam na missão de o ensinar a viver com menos rendimentos.
É tempo de se concluir que há algo de muito errado com a banca. Algo que não pode ser corrigido com mais regulação, sobretudo quando os reguladores são intérpretes daqueles cambalachos e gente que veio da própria banca, ou a ela tenciona regressar, no final dos seus mandatos. Os bancos são entidades que prestam um serviço público, são de missão pública por natureza. São os cidadãos que pagam a fatura quando as coisas correm mal, se bem que não seja o público que recebe quando as coisas correm bem. O que está então fundamentalmente errado? É a “concessão” dos serviços bancários a entidades privadas, que os gerem a seu belo prazer, apenas com o intuito de maximizar os lucros dos seus acionistas.
No que à retirada de comendas diz respeito, se for constituída uma comissão com essa missão ela vai ter um trabalho muito prolongado.