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21-04-2019        Jornal de Notícias

Analisando a greve dos Motoristas de Transporte de Matérias Perigosas, a justeza das suas reivindicações, o comportamento dos atores envolvidos, os impactos daquela luta na sociedade; e, procurando refletir sobre o que nestes dias preocupava o comum dos cidadãos, tenho esperança que todo este processo nos ajude a tomar consciência de algumas realidades de que porventura andamos esquecidos.

O trabalho é e continuará a ser central na economia e na sociedade. Alteram-se formas da sua organização e prestação, alteram-se os instrumentos de trabalho e as profissões. Há mudanças fortes vindas da evolução tecnológica e científica, há verdades e mentiras nas apregoadas desmaterialização e individualização do trabalho, mas tudo isso não anula aquela centralidade.

O trabalho continuará a ser, por muito tempo, o elo fundamental na cadeia de relações que fazem funcionar a sociedade. Ele tem expressões organizativas aos níveis do individual, do grupo e de coletivos bem amplos. É imperioso identificar e valorizar as profissões, reconhecer e estruturar carreiras, retribuir justamente o trabalho, combater as precariedades e as práticas ilegais ou semilegais que hoje invadem as relações de trabalho.

Numa sociedade feita de interdependências, em que todos dependemos de todos como produtores e consumidores, basta que alguns, porventura poucos, interrompam a cadeia de produção e aprovisionamento para que possam surgir colapsos.

A desvalorização e o desequilíbrio de poderes nas relações de trabalho que em Portugal se acentuou desde 2002 e que o anterior Governo, na sua radicalidade antilaboral, aprofundou como estratégia nacional, é um caldo de cultura, de desesperança e de conflitualidade.

Não há democracia sem sindicatos estruturados, representativos e ativos. Quando os poderes económico e político não respondem em tempo útil e com equilíbrio às justas reivindicações dos trabalhadores, acumulam-se problemas e podem emergir movimentos e contramovimentos suscetíveis de assumirem formas políticas em certa medida patológicas.

A FECTRANS (Federação do Setor dos Transportes da CGTP-IN) andou quase 20 anos para conseguir negociar um novo contrato coletivo de trabalho para o setor dos transportes. Aliás, as reivindicações dos motoristas de transporte de matérias perigosas reganharam força após a negociação desse contrato que, constituindo um ganho para o conjunto dos trabalhadores do setor, já não podia responder a problemas acumulados em alguns subsetores ou profissões.

Parte da Direita e a extrema-direita procuram cavalgar estes protestos para ganharem na luta política, sempre com o objetivo de explorar contradições, desacreditar o sindicalismo em geral e tentar conquistar condições para, amanhã no poder, atacarem os direitos fundamentais de quem trabalha.

A revisão da legislação do trabalho em curso mantém alguns conteúdos que facilitam situações geradoras destes conflitos a que vimos assistindo, não incentiva quanto devia a negociação coletiva e não contribui o suficiente para o reequilíbrio de poderes entre trabalhadores e patrões, para a existência efetiva de organização dos trabalhadores nas empresas e do diálogo permanente entre as partes.

O imediatismo não pode vencer o debate sério dos problemas.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
trabalho    motoristas    sindicatos    transportes    legislação