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10-03-2019        Jornal de Notícias

O setor bancário e financeiro português continua atolado em graves problemas, condicionando o desenvolvimento do país. Afinal, o Novo Banco, apresentado à nascença como o “banco bom” tem a podridão suficiente para ser considerado “muito mau”. Entretanto, existem preocupações com outras instituições do setor e emergiu forte o “ruído” em torno da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) que é o acionista do Banco Montepio, ex Caixa Económica.

O Banco de Portugal, em vez de supervisionar a banca em geral, desenhou e implementou soluções desastrosas, em particular para o Novo Banco. Quanto a mecanismos específicos de regulação da AMMG há muito tempo se assiste a um prejudicial empurrar de responsabilidades entre o Governo e o regulador dos seguros (ASF).
Como não haverá um filantropo que se disponha a oferecer-nos uns largos milhares de milhões de euros para tapar os buracos da banca, será sempre a riqueza produzida pelo trabalho dos portugueses que irá pagar a fatura, por muito que os atuais governantes ou quaisquer outros nos tentem convencer do contrário.

A situação do Montepio (Associação Mutualista e Banco Montepio) situa-se, em parte, na procura de soluções para o setor da banca, mas têm uma especificidade e enquadramento distintos: não pela dimensão enquanto banco, mas sim porque se trata da maior (pela dimensão e influência) instituição do mutualismo e da economia social. A AMMG é uma comunidade de mais de 600 000 associados que se identificam com esses valores. O mutualismo e a economia social devem ter espaço e papel relevantes na sociedade portuguesa e o Montepio é uma instituição estratégica para o seu desenvolvimento.

O mutualismo tem uma história: nasceu associado aos melhores valores do liberalismo e do republicanismo e ancorado nas dinâmicas associativas dos movimentos laborais, particularmente em contextos urbanos. Para sobreviver, ele sempre necessitou de regras de transparência, de práticas de rigor e de valores solidários e democráticos bem fortes. Sabemos bem como as imposições do corporativismo/fascismo do Estado Novo foram demolidoras para muitas associações mutualistas, e como amputaram muitas das áreas mais significativas da atividade daquelas que sobreviveram. A Associação Mutualista Montepio Geral sofreu muito com essas políticas.
Hoje o futuro do Montepio pode ser traído por quatro efeitos conjugados: a falta de autenticidade associativa da estrutura e funcionamento da AMMG; os desequilíbrios financeiros e erros de gestão acumulados; a passividade do Estado face à situação; o ataque das políticas de financeirização e concentração da banca que se vão instalando no Banco Montepio e o vão cercando.

Quando começaram a surgir notícias preocupantes sobre o Montepio pareceu acertada a atitude de serenidade adotada pelo atual Governo, só que essa serenidade se transformou em silêncio perigosamente perpetuado. O Primeiro Ministro disse, esta semana, que “o Governo vai publicar uma norma interpretativa” que tornará clara a responsabilidade de a ASF assumir a avaliação da idoneidade do presidente da AMMG. Essa promessa tem de ser celeremente cumprida.

A persistência de Tomás Correia no poder até poderá ser explicada, em parte, por apoios dados por ele (em regra com acerto), no cumprimento da missão do Montepio, para desenvolvimento de iniciativas e trabalhos diversos de organizações e individuais em várias áreas. Mas, tornaram-se evidentes as artificialidades e desequilíbrios da sua gestão. A sua postura de banqueiro igual aos piores envolvendo o Montepio em grandes casos de corrupção e compadrio hoje na justiça, e os seus atos sem ética para salvaguarda de interesses próprios, colocam-no muito distante dos valores do mutualismo. É assim imperioso que Tomás Correia se demita e que não caia na tentação de (ou lhe seja permitido) designar herdeiro.

Contudo, isso não chega. Observa-se toda uma teia de cumplicidades e de amiguismos que tem de ser limpa. O Governo deve ser o primeiro interessado em que isso aconteça. O Banco Montepio não pode ser um banco igual aos outros, gerido por pessoas que nem sequer cheiram os valores do mutualismo. Ele deve ser prioritariamente um forte instrumento da economia social.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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