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27-01-2019        Jornal de Notícias

Há um Portugal profundo antidemocrático que se manifesta recorrentemente em múltiplas áreas da sociedade e em particular no mundo do trabalho.

O caso de assédio moral e de ilegal tentativa de despedimento perpetrado pelos patrões da empresa Fernando Couto - Cortiças, Lda. contra a trabalhadora Cristina Neves Tavares é uma daquelas situações em que as práticas patronais não se ficam pelo aproveitamento dos interstícios da lei que lhes possam ser mais favoráveis. Os passos dados pela entidade patronal são simplesmente reacionários, ou seja, negam direitos fundamentais inscritos no quadro legal existente no plano internacional e nacional - Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenções da OIT, Constituição da República e Código de Trabalho. Está ali a expressão do velho "quero, posso e mando" dos séculos XVIII e XIX, que associava à posse da empresa o "poder legítimo" de o patrão dispor, como muito bem entendesse, de tudo o que nela estava, inclusive os trabalhadores.

A esta Trabalhadora já foram feitas propostas de revogação de contrato de trabalho por "mútuo acordo" em julho de 2016 e em maio, julho e setembro de 2018. Em três destas vezes, tal proposta foi feita na presença do Sindicato dos Operários Corticeiros do Norte. Em todas elas (algumas com oferta de dezenas de milhares de euros), a trabalhadora, livremente e com enorme dignidade, recusou as ofertas e reclamou apenas o direito a trabalhar e a receber o salário.

Em janeiro de 2017, a empresa tentou o "despedimento por extinção do posto de trabalho". A trabalhadora recorreu para o Tribunal. O Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 11.04.2018, pronunciou, por unanimidade do júri, a sentença de despedimento ilícito, obrigando a empresa a reintegrar a trabalhadora no seu posto de trabalho - que como a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) entretanto confirmou, nunca foi extinto - e a pagar-lhe uma indemnização por danos morais. Numa atitude ignóbil e fascista, afrontando a sentença do Tribunal e visando enxovalhar, humilhar e vergar a trabalhadora, aquela entidade patronal colocou a Cristina num "trabalho" absolutamente improdutivo, de empilhamento e desempilhamento de sacos numa palete, numa sequência de dezenas de vezes por dia, situação confirmada pela ACT.

Pelo menos desde o passado mês de maio, a ACT acompanha a situação. A 26 de novembro, divulgou a Decisão da Ação do Auto de Notícia, em que aplica uma coima à empresa por assédio moral, no valor de 31 208,8 euros. No dia 28, o patrão suspende a trabalhadora para "organização de processo disciplinar tendente ao seu despedimento com justa causa, por indícios de comportamentos de grave difamação da empregadora". Este processo é conduzido por um novo advogado que tem o desplante de afirmar publicamente: "agora é que a empresa vai ser defendida como deve ser". Prepotência, imoralidade e marginalidade.

A empresa não se preocupa com multas, arrastará o processo o mais possível e provocará a máxima lentidão da justiça; e vai tentar aproveitar-se das fragilidades da ACT, entidade carente de meios e de autoridade.

A 28 de março vai realizar-se o julgamento da multa aplicada. O Sindicato constituiu-se, e bem, assistente no processo. Os factos em presença são chocantes, mas qual a qualidade da inquirição das testemunhas que está em curso? O insigne professor de Direito do Trabalho Jorge Leite costuma observar: o assédio moral é uma violência psicológica com expressões da "face negra da sedução".

Nenhum partido político ou associação patronal deve ficar indiferente a este caso. Ele é, além de brutal para a Cristina, prejudicial para o setor e a região, para grande parte dos empresários portugueses e para o desenvolvimento do país. Qualquer sindicato, independentemente da orientação sociopolítica que o inspira, tem a obrigação de agir na sua denúncia, de ser solidário com a Cristina Tavares e com o Sindicato que a apoia.

A solidariedade com esta corajosa trabalhadora significa sermos solidários com milhares de mulheres e homens, jovens e menos jovens, mais e menos qualificados, que são humilhados no trabalho e veem as suas vidas e as das suas famílias transformadas num inferno.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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