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25-01-2019        Jornal i

Portugal, como país democrático que é, membro da UE, e com uma economia aberta ao exterior, foi profundamente atingido pelos processos de mudança socioeconómica na escala internacional ao longo da última década. Convém, todavia, não esquecer que a transformação social obedece a ciclos e dinâmicas em que se conjugam continuidades e ruturas no quadro de alterações históricas e estruturais mais amplas. É assim que, a evolução dos últimos dez anos não se mede apenas no restrito período de uma década, antes requer a referência a momentos de viragem dentro e fora dessas balizas. Em termos económicos, passámos, ao longo da última década (2008-2018), do fim de um ciclo de convergência para uma fase de recessão e de crise brutal com as políticas de austeridade (2011-2014) e, por fim, iniciámos um novo ciclo (económico e político) a partir de 2015. A saída da Troika e os sinais de recuperação que desde então se começaram a sentir no país, colocaram o caso português numa situação singular perante os países europeus e os observadores internacionais. Sendo verdade que a mudança social e socioeconómica não é imediatamente determinada pelas conjunturas políticas, também não lhe é indiferente, pelo que, importa lembrar alguns indicadores sociais e a sua evolução num período recente.

No plano do emprego, por exemplo, passámos de um nível baixo no inicio do século (5% em 2000) para cerca de 9% em 2008, atingindo um pico máximo em 2013 (próximo dos 18%), iniciando então uma descida paulatina, situando-se em 13% (2015) e atualmente abaixo dos 8% (1º trimestre de 2018, e abaixo dos 7% no final do ano). Os dados estatísticos, sendo embora relevantes, podem esconder outros fatores tais como os fluxos migratórios que no período mais intenso da crise terão atingido valores na ordem dos 135 mil em 2014, valor que desceu para 81 mil em 2017 (isto segundo os dados oficiais, que de acordo com diversos observadores deverão pecar por defeito; o certo é que no período da intervenção financeira externa o total de emigrantes terá atingido as cinco centenas de milhar).

Quanto ao salário mínimo, tem evoluído paulatinamente no nosso país, desde os 371 euros/mês em 2000 (considerando a totalidade do salário anual dividido por 12 meses), crescido para 497 euros/mês em 2008 e para 649 euros/mês em 2017. Já no que respeita às desigualdades de género, assistiu-se a uma evolução positiva nos salários, por exemplo, entre os quadros qualificados, era em 2002 de uma disparidade de 29,1% em prejuízo do sexo feminino, passando para 21,6% em 2008 e reduzindo para 18,3% em 2017. Para além de alguma evolução positiva nestes aspetos, inserida num longo combate, lento e contraditório, importa lembrar que, segundo a OCDE, entre 2013 e 2017 o salário médio (real) dos portugueses regrediu 7% entre 2009 e 2012 e, no período seguinte (2013 a 2017), a regressão foi de 1,2%. Significa isto que – a valores reais – os ordenados permanecem, em média, praticamente estáveis, em segmentos específicos da força de trabalho, havendo situações ainda mais chocantes como é o caso dos trabalhadores dos Call Centers, onde os lucros se multiplicam enquanto os salários descem (veja-se peça no Jornal de Notícias, 20.01.2019).

Ao longo da última década, também as taxas de abandono escolar precoce evoluíram de 34,9% (2008) para 13% (2017) e, entretanto, no ensino superior a mudança foi igualmente assinalável. A população portuguesa (com mais de 15 anos) com frequência do ensino superior evoluiu de 8% na viragem do século para 11% em 2008, situando-se nos 18% em 2017. O total de alunos a frequentar o ensino universitário – que era de 50 mil em finais da década de 1970 – atingiu no ano 2000 os 374 mil, aumentando para 377 mil em 2008, e descendo para 373 mil em 2017 (Fonte: PORDATA), fruto, não só da redução da taxa de natalidade mas também do (ainda) relativo fechamento do acesso a esse nível de formação. Neste período, a população empregada com frequência universitária passou de cerca de 15% em 2008 para mais de 25% em 2017; e se considerarmos apenas a faixa etária dos 19-29 anos, tínhamos, em 2017, 43% das raparigas e 26% dos rapazes a frequentar o ensino superior (OCDE, Education at a Glance, 2018). Apesar destes indicadores deixarem antever um movimento transformador que pode vir a adquirir efeitos estruturas na economia e sociedade portuguesas, não é linear que o ensino superior português esteja a cumprir a função de “ascensor social” que lhe é atribuída, isto é, até que ponto a universidade é ou não capaz de exercer a sua missão de canal de mobilidade social ascendente, um aspeto que, no caso de Portugal, parece longe de cumprir-se uma vez que, os outputs do ensino superior estão longe de ser plenamente incrustados na economia.

Como revelou um relatório recente da OCDE (A Broken Social Elevator? 2018), a educação e a condição socioeconómica da família – em especial nos extremos da pirâmide social – são fatores decisivos. Para cerca de 58% dos pais portugueses, os seus filhos não atingirão o seu nível de status e conforto, e será necessário esperar 5 gerações para que tal possa vir a ocorrer, enquanto no critério da “mobilidade educativa”, o nosso país revela-se dos menos eficazes em promover a ascensão social num leque de 30 países da OCDE.

Apesar dos sinais positivos em alguns dos indicadores referidos (emprego, educação, discriminação de género, etc.), os últimos dez anos têm sido bastante contraditórios: trouxeram-nos ao mesmo tempo profundas perplexidades e algumas esperanças. O período de intensa austeridade acentuou as desigualdades e agravou as injustiças sociais, designadamente quando o governo de Passos Coelho alterou a legislação laboral, no sentido de facilitar os despedimentos e, em finais de 2012, reduziu em 5,75 pontos percentuais a TSU para os empregadores, o que terá representado um custo acrescido próximo dos 2,3 mil milhões de euros para o conjunto dos assalariados portugueses, correspondendo na prática a uma transferência de riqueza do trabalho para o capital (veja-se, A Economia Política do Retrocesso, por Jorge Leite e outros. Almedina/CES, 2014).

Em suma, pode dizer-se que nos últimos dez anos, Portugal revelou, por um lado, a sua vulnerabilidade face ao contágio das tendências internacionais e em especial da Europa, mas por outro não deixou de evidenciar alguma resiliência e pulsões que vão na contracorrente do cenário recente. No plano do exercício democrático da cidadania ativa, os portugueses mostraram uma enorme paciência e resignação (em contraste com outros países do Sul da Europa), mas, paralelamente, ergueram-se em protesto em momentos precisos e essas vozes de rebelião – transportando as marcas do campo sindical mas também de uma classe média sitiada – conseguiram afinal influenciar, ainda que indiretamente, o desenho do novo cenário político, a «Geringonça», que se tornou objeto de curiosidade internacional.


 
 
pessoas
Elísio Estanque



 
temas
democracia    salário mínimo    abandono escolar    emprego    OCDE