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03-07-2010        Público
A crise actual confirma o processo, desde há muito estudado pelas ciências sociais, que tende a transformar as escolhas políticas em decisões técnicas, legitimadas por saberes científi cos e técnicos. Através da caução da ciência económica (reduzida à sua expressão mais ortodoxa), torna-se possível apresentar o diagnóstico da crise como consensual e as medidas a tomar como necessárias e inevitáveis. Ao mesmo tempo, os cidadãos são marginalizados enquanto sujeitos políticos activos. É sintomática, a este propósito, a quase invisibilidade, neste processo, do Parlamento Europeu, a única instituição eleita na EU por voto directo dos cidadãos, e a substituição do debate público sobre as políticas de resposta à crise – agora matéria para especialistas… – pela "explicação"; aos cidadãos de decisões cruciais que afectam as suas vidas, mas em relação às quais não foram ouvidos, e que, em muitos casos, vão ao arrepio das suas preferências manifestadas em actos eleitorais e outras consultas. A preocupação central de governos e responsáveis políticos aparece, antes, como
sendo a restauração da confi ança dos mercados e do sistema financeiro. É de temer, pois, que um dos principais efeitos desta crise seja a agudização da crise de legitimidade da própria democracia.

É neste contexto que vale a pena reafi rmar a relevância das ciências sociais, neste caso para a compreensão da crise, mas também para a exploração das respostas possíveis a esta. As ciências sociais dispõem de um capital de conhecimento e de instrumentos de análise que podem ajudar a transformar a crise num momento de interrogação e problematização, que tenha em conta as origens da crise, as diferenças entre os grupos sociais por ela atingidos e as
consequências para estes; elas permitem converter em interrogações e problemas o que, para alguns, são evidências e certezas indiscutíveis; elas permitem mostrar como a necessidade e a inevitabilidade com que são justifi cadas as respostas à crise e as políticas que as materializam são, de
facto, o resultado de escolhas políticas que afi rmam certos interesses, opondo-se a outros; elas ajudam a entender a mobilização e o protesto social não como perturbações, mas como formas legítimas de expressão dos cidadãos, que contribuem para tornar visíveis os efeitos da crise e das medidas que contra ela são promovidas sobre o bem-estar e as desigualdades sociais; elas podem contribuir ainda para ajudar a defi nir, desenhar e promover formas de debate público e de envolvimento dos cidadãos, de maneira a mobilizar as imensas energias que existem na sociedade para construir respostas criativas e inovadoras, voltadas para o futuro. A pluralidade interna das ciências sociais
converte-as numa importante reserva de conhecimento, um conhecimento que é permanentemente confrontado com o mundo que pretende conhecer e que alimenta a indagação e a experimentação continuada na procura de respostas criativas aos problemas da sociedade.

Em 2004, em O Sonho Europeu (The European Dream), Jeremy Rifkin referia-se à Europa como um "laboratório do mundo";, como um espaço onde estaria em curso um vasto processo de experimentação social e política que, na sua opinião, estaria em vias de substituir o "sonho americano"; enquanto expressão de uma sociedade assente na democracia política, na cidadania activa, na justiça social e nos direitos humanos, na promoção do conhecimento e da inovação, na defesa da paz e da cooperação internacional. Para Rifkin – que foi assessor de Romano Prodi durante o mandato deste como Presidente da Comissão Europeia –, para além dos muitos problemas e obstáculos no caminho da realização desse projecto, era reconhecível neste uma "nova e ousada visão do futuro da humanidade";. Seis anos« depois, a resposta que a Europa está a dar à crise torna legítima a interrogação sobre os rumos do "sonho europeu";. O retomar da experimentação social e política está, certamente, nas mãos dos cidadãos e cidadãs, da sociedade civil, de movimentos sociais e políticos, e também de um Estado capaz de participar na invenção de novos espaços de exercício da democracia e da cidadania activa. Nesse processo, os cientistas sociais terão, seguramente, um lugar indispensável, não como novos "conselheiros do príncipe";, ou "sábios";, mas como parceiros indispensáveis, produtores de um conhecimento público que deve ser devolvido à sociedade e por ela apropriado.




 
 
pessoas
João Arriscado Nunes