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23-12-2018        Jornal de Notícias

Tudo o que os responsáveis políticos da União Europeia (UE) e os dirigentes do Reino Unido (RU) disseram até agora sobre as suas posições limite na gestão do Brexit é provisório. Uma e outra parte já têm em marcha planos de contingência. Isto significa tal facto que o Brexit sem acordo, à partida catalogado de catastrófico, tenderá a ser cada vez menos inconcebível e cada vez mais provável, ou seja, uma coisa no início considerada impensável, torna-se progressivamente possível a partir do momento em que as suas implicações passam a ser encaradas, abertamente discutidas e acauteladas.

O desenvolvimento desses planos de contingência colocará em evidência muitas das contradições e perversões que, no caminhar do “projeto europeu”, foram sendo plasmadas nos conteúdos dos Tratados, ou adotadas nos objetivos e condicionantes da moeda única (o RU nunca lá esteve), na estruturação de poderes e nas suas práticas políticas. Estamos longe de poder projetar, com um mínimo de segurança, o que poderão ser as perdas para cada uma das partes, sendo que a parte UE é composta por 27 países com condições distintas, logo sujeitos a impactos diferenciados, provavelmente mais pesados para os povos dos países periféricos.

A UE apresenta-se hoje em situação de pré caos. O Brexit constitui a expressão mais evidente, mas há outras bem fortes: o distanciamento dos cidadãos que se vai aprofundando; o desarmar de condições para a afirmação do Estado Social de Direito Democrático; a acomodação ao avanço de forças da extrema-direita e fascistas; o desrespeito pela soberania dos países que integram a União; a incapacidade de um relacionamento externo equilibrado e de respeito recíproco entre Estados e povos.

Apesar do processo do Brexit já estar bem quente, a política dualista dos dirigentes europeus prossegue. Engolem violações de critérios do Pacto de Estabilidade para acomodar as opções tomadas pela Itália e pela França, mas não desencadeiam a sua indispensável reforma. Continuarão a impô-lo a países como Portugal e a tratar-nos com pouco respeito.

Como se sabe, o governo português deu prioridade ao pagamento antecipado da linha de crédito contraída junto do FMI. Depois de ter amortizado cerca de 82% do capital em dívida, pretendeu agora pagar os restantes 4.7 mil milhões de euros. As autoridades europeias, que deviam apoiar a opção do nosso país, aproveitaram o “direito” de se pronunciarem - estabelecido quando o Estado português, em 2011, recorreu ao financiamento da troica - para nos imporem mais cinco condições contratuais gravosas nas linhas de crédito que ainda se mantém com os credores oficiais europeus. E o nosso Ministro das Finanças (o governo) “acertou”, à socapa, tais condições. Tudo isto é indecoroso.

As imposições a que fomos sujeitos têm efeitos negativos imediatos sobre a vida dos portugueses e podem ter outros a prazo. O país, ao ser obrigado a criar uma “confortável” almofada financeira, cativa recursos que poderia usar para estimular a economia, para melhorar a prestação de direitos sociais fundamentais ou repor direitos dos trabalhadores. As condições renegociadas, retiram graus de liberdade a uma gestão prudente da dívida em situação de crise dos mercados financeiros, e incluem outros condicionalismos. Num contexto de crise financeira e de subida das taxas de juros no mercado, as consequências podem ser pesadas para a nossa despesa com juros. Aí estão, mais uma vez, os dirigentes europeus a proteger os mercados e os credores oficiais e a castigar o povo.

Ao não submeter as condições desta renegociação à discussão e aprovação do Parlamento, o ministro das Finanças não acautelou o interesse público nacional e não respeitou as instituições democráticas. É escandaloso que se tenha tomado consciência dessa renegociação através da divulgação do acordo que o Parlamento Alemão lhe concedeu.

A complexidade e profundidade das implicações do Brexit deviam levar a UE a uma mudança de rumo. Isso não está a ser assumido, nem se perspetiva que a relação de forças existente e aquela que se imagina para depois das eleições do próximo verão propiciem condições políticas para tal objetivo. A União Europeia vai mesmo em direção errada.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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