Escrevo esta última coluna em Dakar, onde participo na XV assembleia do CODESRIA, Conselho para o Desenvolvimento das Ciências Sociais em África. Reunindo várias centenas de académicos africanos (e não só), este encontro, que se desenvolve num ambiente de grande riqueza intelectual, procura identificar alternativas à crise da globalização neoliberal no continente.
Os diagnósticos sociais, económicos e políticos, sem anunciar um futuro risonho, apontam a forma complexa como o continente é percebido internacionalmente. Assinalam igualmente a integração num sistema de economia-mundo, quais as implicações das várias opções presentes, e quais os conhecimentos e reflexões epistémicas que ajudam a pensar a globalização desde África. As várias abordagens convergem num elemento: cabe aos africanos decidir as opções para o seu futuro, um futuro que passa pelas opções sobre que uso dar, e como, aos recursos disponíveis. Esta discussão, largamente ignorada pelos principais media europeus acontece num momento em que as principais potências financiadoras da ‘ajuda ao desenvolvimento’ disputam o controlo desta ‘ajuda’.
Vista da perspetiva do G8, por exemplo, a entrada do continente no ‘mercado global’ tem sido explicada como uma opção inapelável. Com efeito, o Plano de Ação do G8 para África, aprovado em 2002 na cimeira do Canadá, teve por objetivo apoiar o desenvolvimento integral do continente, estabelecendo parcerias guiadas em grande medida pelo Mecanismo Africano de Avaliação pelos Pares, MARP. Através do MARP procurou-se que as lideranças africanas responsabilizassem os seus pares pelo cumprimento de vários princípios de boa governação. Em contrapartida, os líderes do G8, de forma coletiva, comprometeram-se a aumentar o apoio a África através de várias modalidades, incluindo o alívio da dívida; o encorajar fluxos de capital privado; o apoio a infraestruturas e setores sociais, tais como acesso à educação, saúde e água; o apoio à paz e segurança, etc. Um elemento central desta relação entre os países africanos e o G8 era o princípio da responsabilidade e benefícios mútuos. Todavia, como Thabo Mbeki, antigo presidente sul-africano apontou em Dakar, esta relação desvaneceu-se, sem resultados concretos.
Todavia, são vários os países africanos que vêm pressionando no sentido de uma posição mais forte, global, sobre a repatriação de capitais. Como vários estudos revelam, uma parte significativa da fuga de capitais do continente para países considerados mais desenvolvidos ocorre através do desvio de receitas de recursos naturais, da ajuda externa e de empréstimos. Estes estudos sugerem que a repatriação de capitais poderá desempenhar um papel importante no financiamento do desenvolvimento de África. Várias iniciativas têm sido lançadas procurando promover a cooperação dos países do G8 e da União Africana sobre esta questão. Em particular advogam um maior envolvimento dos governos dos países do G8 na aplicação da transparência no sistema bancário, na identificação de depósitos de fundos desviados e na ratificação e implementação de acordos contra fraude, corrupção e lavagem de dinheiro. Ou seja, a partir de uma estratégia mais transparente sobre o paradeiro de capitais, o continente africano pode, a partir dos seus recursos, avançar no caminho do desenvolvimento de forma autónoma.
Mas será que há interesse por parte dos países mais avançados? Nos últimos anos o tema da migração ilegal tornou-se dos principais tópicos da relação da Europa com o continente africano. Procurando uma resposta autónoma para esta realidade, o conselheiro especial da chanceler alemã, Gunther Nooke avançou recentemente uma proposta com laivos coloniais. Para este conselheiro, uma das soluções do problema migratório poderá passar pela cedência, por parte de vários governos africanos, de territórios no continente, onde as potências europeias poderão estabelecer ‘cidades’ autónomas, dotadas de bons serviços e empregos, à imagem do modelo europeu. Esta abordagem política espelha um sentimento latente atualmente entre os G8, para quem a má administração e a corrupção parecem ser sinónimos de África. Mas vejamos a crise dos migrantes. Várias multinacionais globais, dada a sua influência financeira e lobby político, têm procurado a todo o custo evitar pagar as suas dívidas de negócios aos governos africanos. Como revelou recentemente um painel de alto nível constituído pela Comissão Económica para a África, a análise da fuga ilícita de capitais do continente traz um prejuízo anual ao continente de cerca de 50 mil milhões de dólares. Por isso é tão importante a monitoria dos fluxos ilegais de capitais e a cooperação entre estados soberanos.
Numa altura em que a procura de recursos minerais está em crescendo no mundo, a partilha dos recursos africanos está, de novo, em cima da mesa, num contexto onde o regime de comércio global, favorece as economias mais poderosas e acentua a exploração dos países em desenvolvimento. A permanência de um projeto colonial na ‘ajuda a África’ está patente nas recentes declarações de John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional da atual administração norte-americana. Para Bolton, a ‘ajuda’ deve traduzir-se no "assegurar que todos os dólares de assistência dos EUA enviados para África são usados de forma eficiente e eficaz para promover a paz, a estabilidade, a independência e a prosperidade". Seja a cooperação com a China, a Índia, o Japão, a UE ou os EUA (principais parceiros), a questão central mantém-se: cabe aos africanos decidir as suas opções. E parece que este aspeto custa a ser aceite pelos ‘parceiros’ económicos do continente.