Esta semana vimos morrer trabalhadores em Borba porque ao longo do tempo os interesses económicos imediatos, privados e públicos, e o desleixo político se sobrepuseram às medidas indispensáveis para proteger a vida. E todos os dias há mortes no trabalho e acidentes graves que podiam ser evitados. Muitas vezes, bastava uma atenção mínima ao que as leis estabelecem, bastava que os governos mobilizassem recursos para proteger os trabalhadores quando justamente reclamam, em vez de os guardar para proteger entidades patronais que atuam à margem da lei.
Esta semana, todos ficámos a saber que, no porto de Setúbal, um trabalhador pode ter de celebrar e terminar dois contratos de trabalho num mesmo dia. Cada trabalhador faz tantos contratos quantos turnos de trabalho realiza. Num porto que precisa, todos os dias, de um grande coletivo de trabalhadores para poder funcionar, temos esta vergonhosa precariedade que põe em causa os direitos humanos no trabalho, na organização da família e nos mais diversos planos em que os seres humanos afirmam a cidadania.
É oportuno revisitarmos o conteúdo daquela Declaração Universal no que se refere aos direitos no trabalho. Transcrevo apenas parte do artigo 23.° e o 24.°: "Artigo 23.° - 1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. 3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana (...). Artigo 24.° - Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas".
Estes conteúdos não são proclamações vazias. São, sim, princípios orientadores e compromissos políticos universais para sustentar a construção de sociedades democráticas e para garantir a paz. Em cada momento em que eles são violados, há regressão, há aprofundamento de desigualdades, há mais injustiça, pobreza e sofrimento humano. A Constituição da República Portuguesa deu a máxima valorização aos capítulos "Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores" e "Direitos e deveres económicos, sociais e culturais", por reconhecer que os direitos no trabalho são direitos humanos imprescindíveis para o progresso da sociedade.
A Declaração de Filadélfia da Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em 1944, inspirou e alimentou conteúdos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas esta veio dar autoridade, dimensão ética e política aos direitos no trabalho, pelo que eles significam coletivamente e para afirmar a dignidade de cada ser humano. Não fiquemos à espera que aconteça uma barbárie idêntica às que aconteceram no século passado, com a primeira e a segunda guerra mundiais, para acordarmos e agirmos.
Em Filadélfia, assumiu-se que "o trabalho não é uma mercadoria", mas quantas vezes se tratam os trabalhadores como mercadoria de segunda. A mercantilização do trabalho está aí em força e tem de ser combatida. O individualismo exacerbado tenta justificar-se na falsa atomização generalizada do trabalho. Nos cenários "mágicos" e empolgantes da discussão tecnológica sobrevaloriza-se o apocalítico e tenta impor-se o determinismo tecnológico, para constranger os direitos humanos no trabalho.
Ao contrário do que acontece com as pessoas, às máquinas é-lhes indiferente "trabalharem" de dia ou de noite, durante a semana ou ao fim de semana, não precisam de salário e são tanto mais rentáveis, quantas mais horas funcionarem. Elas não têm relação metabólica com a natureza, não têm família, não são seres sociais, nem cidadãos.
Os seres humanos não podem abdicar da definição do tempo de trabalho e do tempo de não trabalho para poderem realizar muitas outras atividades e missões indispensáveis à sociedade, não podem abdicar dos direitos no trabalho como direitos humanos.