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04-11-2018        Jornal de Notícias

Associada ao debate do Orçamento de Estado para 2019, tem estado na ordem do dia a discussão sobre o acesso à reforma para pessoas com longas carreiras contributivas. Trata-se de uma nova fase da resolução de situações que há muito tempo mereciam tratamento cuidado, pois muitos dos trabalhadores em causa começaram a trabalhar cedo, trabalharam em condições duras e com horários longos. De certa forma está-se a compensá-los pelo muito tempo que já trabalharam e a reduzir-lhes agora, de forma indireta, o tempo de trabalho que teriam até ao final da sua vida. Os encargos decorrentes desta medida ficam suportados pelo sistema da Segurança Social e, em última instância, pelo Estado.

O sistema público, universal e solidário que temos é uma das grandes conquistas da Democracia, tem permitido eliminar pobreza absoluta, reduzir pobreza relativa e dar dignidade à vida de milhões de portugueses. Ao contrário do que pregam os seus inimigos, ele pode e deve ter futuro. A sua manutenção e melhoria, objetivo estratégico para o desenvolvimento da sociedade e do país, é um desafio que deve focar-se naquilo que o sistema tem de garantir à geração que hoje usufrui de pensões e no que deve propiciar às gerações futuras.

A Segurança Social necessita de solidez conceptual e estrutural e da adoção regular de medidas que salvaguardem a sua sustentabilidade, o que convoca desde logo uma permanente abordagem das políticas de emprego e salariais, um debate sobre as formas do seu financiamento, um apuramento cíclico dos benefícios que pode prestar, uma discussão séria sobre o tempo que se deve trabalhar nas sociedades de hoje e do futuro, e ainda, sobre o que significará, de vantagens e desafios, podermos usufruir de vidas mais longas com mais saúde e mais atividades.

Será importante não se gerar qualquer dinâmica de senso comum conducente à ideia de que é possível e vantajosa uma antecipação generalizada da idade de acesso à reforma. Não basta mandar as pessoas para a reforma: é preciso garantir-lhes pensões dignas e atualizações regulares dos seus valores, o que não tem acontecido.

Muitas pessoas afirmam, com uma base num raciocínio intuitivo, que quanto mais cedo os mais velhos se reformarem, mais emprego haverá para os mais novos. Só que abundam manipulações que transformam boas ideias em perigosas armadilhas. Quando observamos os milhares e milhares de trabalhadores que foram mandados para a reforma antecipada, por exemplo, na Banca, na PT, nos Correios, na EDP (empresas que em muitos casos aplicaram aos seus utentes taxas para suportar o custo da medida adotada) constatamos que aqueles trabalhadores mais velhos foram substituídos por jovens que hoje, em empresas subcontratadas, em alugadores de mão de obra, nos Call Center prestam serviços àquelas grandes empresas, mas são precários, ganham menores salários e trabalham mais horas do que trabalhavam os antigos trabalhadores. Esta operação foi muito lucrativa para as empresas mas não trouxe ganhos para os jovens e piorou as condições de todos os trabalhadores.

A sustentabilidade da segurança social depende de múltiplos fatores e tem de ser salvaguardada. Através da criação de mais emprego, do aumento dos salários e dos rendimentos das pessoas, da diversificação de fontes de financiamento, onde devem entrar os impostos, os ganhos de valor acrescentado e outras receitas vindas de parte dos lucros obtidos com as tecnologias. Sem abdicar, de forma alguma, das contribuições dos trabalhadores e das entidades patronais no momento do pagamento do salário.

O debate sobre o acesso à reforma desafia-nos a dar expressão a novas formas do conceito de vida ativa que atendam à evolução da sociedade e das opções que os trabalhadores possam adotar face a condições de trabalho e de vida com que lidam, a (re)construir uma articulação de interesses intergeracional, a discutir o peso que têm hoje na economia muitas atividades do espaço do não-trabalho. E a progredir na redução dos horários de trabalho para todos (sem redução de salário).

O acesso à reforma é multifacetado e convoca-nos para combates pela melhoria das condições de trabalho em toda a vida ativa.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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