As eleições são momentos turbulentos e Moçambique não é exceção. Os resultados eleitorais espelham anseios e frustrações, penalizando ou remindo o cumprimento das promessas dos candidatos. Os resultados das eleições autárquicas de 10 de outubro em Moçambique têm grande importância, já que se avizinham as eleições legislativas e presidenciais. Tal como noutros contextos da África austral, Moçambique conhece uma era de relativa estabilidade política, num contexto onde, crescentemente, as pessoas vão conhecendo os seus direitos como cidadãs. Mas o dividendo da paz e das promessas democráticas tem-se revelado incapaz de responder às esperanças e promessas de progresso dos vários projetos eleitorais.
O país é atravessado por vários conflitos políticos, fruto da implementação de megaprojetos de cariz desenvolvimentista. Desde inícios de 2000 que Moçambique conheceu um aumento do investimento estrangeiro direto na sua economia extrativa, com as reservas de gás e de carvão sendo definidas de importância estratégica para a economia global. Para muitos avaliadores políticos, Moçambique revelava-se um ‘bom aluno’ na democratização em curso, enfatizando a boa governança e a participação nos ciclos eleitorais. Menos atenção terá recebido a redução das funções do Estado na sequência das duras políticas de austeridade neoliberal que se reintroduziram nos últimos anos, e que têm vindo a acentuar a desigualdades socioeconómicas. Terá sido esta urgência de lutar pela mudança do sistema económico que levou a uma participação cidadã significativa nestas eleições, com cerca de 60% dos recenseados a usar o seu direito a votar. Foram às urnas porque creem que o voto pode contribuir para mudar o seu futuro.
Este parece ser o caso de Moatize, um dos 53 município do país, situado na província nortenha de Tete. Aqui, o resultado da ida às urnas sinaliza uma vontade política impulsionada desde baixo, dos cidadãos, refletindo preocupações socioeconómicas específicas.
No contexto da província de Tete, onde mais de 90% do subsolo está nas mãos das companhias concecionárias da exploração de carvão e outros recursos, a economia tem um carácter dualista: há um pequeno número de pessoas empregadas no setor formal e a larga maioria dedica-se à pequena e média agricultura ou desenrasca a vida com empregos precários. O insucesso da redistribuição significa que serviços e infraestrutura (saúde, educação, transporte, água, energia) estão longe de ser um bem ao alcance de todos. Os partidos políticos cujos representantes têm muitas vezes interesses económicos nos municípios para onde foram eleitos, tendem ao populismo em vez de medidas concretas de redistribuição. As ligações destes grupos políticos ao mundo dos negócios, ou as pressões vindas ‘de cima’ para apoiar os megaprojetos, leva-os evitar qualquer enfrentamento com as empresas ou elites empresariais.
Para explorar o carvão foi preciso realojar muitas famílias (o processo ainda não terminou), que se queixam agora da falta de terras para o cultivo e das más condições nos novos bairros onde foram reassentadas. A terra é um recurso importante e, no caso da população urbana pobre, um garante de segurança económica mínima. Com efeito, em Moatize, a exemplo de outros municípios, apesar dos níveis de pobreza extrema estarem a diminuir, o acesso a emprego, condições de habitação dignas, a água potável, etc., não são uma realidade partilhada por todos os munícipes. Pelo contrário, as empresas multinacionais que exploram os recursos minerais na província gozam de regimes tributários especiais, a troco de uma comparticipação mínima no crescimento do bem-estar das populações locais, um importante eleitorado político.
Moatize é uma vila mineira, com uma história de protestos e resistências. As minas de carvão em Moatize funcionam a céu aberto, uma das formas mais poluentes de fazer mineração: poerias, ruído permanente de explosões, são algumas dos problemas que afetam desde há vários anos a vida dos munícipes, sem solução. Assim se explica porque a mina Moatize II, explorada pela mineradora brasileira Vale, foi abalada, nas últimas semanas por vários protestos. Por um lado, a Vale anuncia lucros fabulosos na região; por outro lado as comunidades de Moatize vivem cada dia pior, pois a atividade da mina vai limitando o seu acesso à água, lenha, pastagens do gado, etc. Na sequência do impasse na resolução destes problemas, as populações revoltaram-se, bloqueando o funcionamento da mina nas semanas anteriores às eleições. Repetidas vezes as populações recusaram-se a falar com representantes do governo, que acusam de os ter abandonado, tendo optado pelo diálogo direto com a Vale na busca de soluções.
Esta narrativa ajuda a compreender a perda de votos do partido Frelimo. Este tinha obtido 72,7% dos votos nas eleições de 2013, tendo agora perdido agora quase 30% dos votos. A contagem inicial chegou a dar a vitória eleitoral à Renamo. A Frelimo exigiu a recontagem, tendo enfrentado a oposição de dois outros partidos, o MDM e a Renamo. A recontagem, feita à revelia destes partidos, declarou mais de 1000 votos inválidos para a Renamo, dando a uma curta vitória à Frelimo. A Renamo aguarda o recurso, mas, entretanto, o caso de Moatize é importante. Como explicar este voto senão através da não confiança na anterior administração municipal? A quem devem servir os autarcas eleitos? O exercício de cidadania de dia 10 de outubro dá uma resposta inequívoca a esta questão