A evocação dos acontecimentos que nos atingem, como sociedade, só tem sentido se lhes extraímos as devidas elações e atuarmos efetivamente, seja modificando estratégias de prevenção, agindo sobre previsíveis desencadeantes ou melhorando formas de resposta. Lembremos desastres anteriores, como a queda da ponte em Entre os Rios, em 2001: comprometemo-nos a não esquecer; a aprender com o acontecido; a estruturar programas de prevenção e intervenção no trauma psicológico. Mas, em 2017, a desejada aprendizagem, os almejados programas, as necessárias medidas de prevenção e formação mantinham-se, na melhor das hipóteses, reservadas, longe do conhecimento e utilização prática do cidadão comum.
Para que todos nos responsabilizemos na construção das mudanças que se impõem é importante generalizar o conhecimento sobre as consequências psicológicas do trauma resultante das crises.
Uma experiência traumática provoca reações específicas e individualizadas, diferentes de pessoa para pessoa. Se uns reagem, compreensivelmente, com pânico e de forma desadaptada, outros conseguem recorrer aos próprios recursos internos, retomando o controlo de si mesmo. Felizmente, a maioria das vítimas consegue superar, a curto ou médio prazo, a experiência traumática, integrando-a sem sequelas psíquicas irreversíveis. Contribuem aqui as características intrínsecas da pessoa, o suporte da comunidade e a eficaz intervenção psicossocial na crise, que ajude no readquirir da saúde global do sobrevivente, ao nível físico, social e psicológico. Esse trabalho inicial, com regras e tempos próprios, não tem que ser exclusivo de psicólogos, pode integrar todos os que forem mais-valias e tenham formação prévia específica, com ênfase na intervenção junto das vítimas e na proteção do próprio técnico.
Porém, 5% a 8% da população alguma vez afetada mantém um sofrimento traumático de caraterísticas crónicas, com graves consequências pessoais, familiares e sociais, que se refletem, inclusive, nas economias das comunidades. Tal como qualquer outra doença, as patologias decorrentes do trauma psicológico possuem especificidades clínicas próprias, tais como as suas frequentes eclosões tardias. A sua abordagem deve ser atribuída a especialistas de Saúde Mental, com obrigatória formação diferenciada em Psicotraumatologia.
Em síntese, é necessário organizar respostas ao trauma, assentes em recomendações internacionais, que não esqueçam a prática que fomos construindo; pugnar pela consolidação de programas nacionais de intervenção psicossocial na crise; efetivar uma rede nacional de intervenção terapêutica nas patologias pós-traumáticas; estruturar planos competentes de formação e proteção dos técnicos que intervém no terreno.
O objetivo é que a memória das tragédias de 2017 não se revele em vão. O Centro de Trauma está disponível para esse combate.