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14-10-2018        Jornal de Notícias

Quando hoje observamos o reaparecimento de fascismos impulsionados ou protagonizados por figuras como Bolsonaro, duas considerações fundamentais ocorrem: primeira, por que razão a Democracia é tão vulnerável aos seus inimigos, nutrindo-os no seu seio, até ao ponto de se lhes entregar? Segunda, o que leva os seres humanos a não terem em presença ensinamentos da história, designadamente da história recente, embarcando tão facilmente em caminhos de tragédia?

Jair Bolsonaro não esteve à margem da política no Brasil, nem no tempo da ditadura, nem em Democracia. Foi capitão do exército servindo entusiasticamente a ditadura e as suas práticas mais ignóbeis, como a tortura que continua a defender. Foi congressista eleito em sete mandatos, durante 27 anos. Nesse tempo ficou conhecido por posições de extrema direita, por alinhar com os mais corruptos (a corrupção no Brasil não começou no tempo de governos do PT e seus aliados), por saltar de partido e de crença religiosa como forma de conquistar influência, por estar na primeira linha dos ataques às instituições democráticas. Como é possível que com um currículo destes seja tomado por alguém que vem “de fora do sistema”?

Bolsonaro não existiria, como candidato presidencial com fortes possibilidades de vencer, se os poderes dominantes no Brasil não tivessem dado o golpe da demissão de Dilma Rousseff e se não tivessem colocado um dos grandes corruptos do Brasil – Michel Temer – na presidência. Sendo Temer alguém que a direita tradicional com compromissos com a Democracia jamais podia apoiar, o campo político desta ficou à mercê de Bolsonaro.

Quando se tornou evidente que a direita dita liberal-democrata era incapaz de apresentar uma candidatura minimamente sólida e muito menos de vencer as eleições, os oligopólios financeiros e económicos (sempre disponíveis para trocar a Democracia por qualquer ditadura desde que deitem a mão ao dinheiro e ao poder), os grandes protagonistas da comunicação social como a Rede Globo, as igrejas retrógradas e corruptas mas altamente influentes, ou as confederações patronais agrárias e industriais, não hesitaram em fazer a agulha e apoiar ativamente Bolsonaro fazendo no terreno todo o tipo de pressões e gerando condicionalismos às pessoas. Por outro lado, o contexto político do país favoreceu a montagem da mentira que afirma as duas candidaturas, que estão na segunda volta, como sendo representantes de dois extremos simétricos. Desta forma radicalizaram o cenário acantonando as pessoas nos seus desesperos e tirando racionalidade ao debate eleitoral. E, o mesmo Bolsonaro que se havia construído “contra o sistema” passou a assumir abertamente o papel de capataz desses grandes interesses, como de resto aconteceu sempre com os fascistas que historicamente o precederam.

A Democracia é frágil. Pela facilidade com que alguns a apropriam ou a dispensam, até parece feita de verniz. A Democracia se não for exercitada perde rapidamente densidade e morre. Tropeça quando não consegue proteger as pessoas e as entrega aos mercados como trabalhadores descartáveis e consumidores indefesos. Pode cair quando permite desviar o foco da indignação de uma parte substancial da sociedade contra alvos de conveniência, sejam eles os membros de uma chamada classe política apresentada no seu todo como corrupta, sejam imigrantes à procura da sobrevivência ou mulheres que justamente lutam pela igualdade, sejam homossexuais, pobres, minorias étnicas ou religiosas agindo pelos seus direitos.

Para privilégios tradicionalmente organizados na direita dita liberal-democrata, a Democracia é um instrumento descartável em caso de necessidade, desde logo, quando existem movimentos populares credíveis que ameaçam os seus privilégios. É descartável quando a direita liberal-democrata deixa de ser credível e capaz de, através de eleições democráticas, assegurar a vitória. No Brasil, na produção de Bolsonaro, ambas as causas convergiram, talvez mais a segunda do que a primeira.

Também em Portugal a Democracia é frágil. E estão aí projetos de partidos formais ou informais, que procuram fazer o percurso de demolição da direita tradicional para depois seguir o ataque à Democracia.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva