As tendências da evolução salarial nos últimos anos têm gerado pronunciamentos públicos de surpresa e preocupação, por parte de instituições internacionais, sobre o que se passa no plano global, na Europa e em Portugal. Dizem-se perplexos por a trajetória de crescimento económico e de expansão do emprego não estar a ser acompanhada por um crescimento dos salários. Este cenário, aparentemente contraditório, desafia a teoria económica nas suas conjeturas sobre a relação entre níveis de emprego e desemprego e evolução dos salários, ou no que se refere à relação entre emprego, produtividade e salários.
A imposição de políticas de austeridade e de corte nos direitos laborais e sociais - promovida por estas instituições que agora se dizem perplexas - empobreceu as pessoas no imediato e criou outras realidades negativas para o futuro, por exemplo, no que se refere à distribuição da riqueza produzida.
A partir de 2016, começou a formar-se um consenso entre decisores políticos e instituições, acerca da necessidade de crescimento dos salários. Declarações de responsáveis do Banco Central Europeu (BCE), da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) expressaram essa preocupação. Trata-se de uma preocupação que nada tem a ver com a criação de melhores condições de vida para os cidadãos. O objetivo destes grandes atores dos poderes dominantes é somente garantir que as pessoas, tal como as empresas e os estados, paguem "as suas dívidas" até ao tutano e dediquem uma maior parcela do seu rendimento ao consumo e ao investimento. Sempre favorecendo os que mais podem e têm.
Um relatório recente da OCDE (Employment Outlook 2018) tem exatamente por tema o paradoxo (e o problema) dos salários que não sobem quando o emprego aumenta. Nesse relatório, Portugal surge nas posições cimeiras dos países onde mais emprego foi criado depois de 2013 e em que menos subiram os salários reais.
A matéria é complexa e justifica análises de natureza multidisciplinar. Não haverá, seguramente, uma única explicação para os factos que sustentam a "perplexidade" daquelas instituições. Uma hipótese é as taxas de desemprego estarem a subestimar o desemprego real e o subemprego. Uma outra é a disseminação da precariedade substituir cada vez mais empregos permanentes e mais bem pagos por trabalho precário e mal pago.
Será que a estagnação dos salários médios é fruto de o novo emprego estar a ser criado sobretudo em setores com níveis remuneratórios inferiores à média? A reconfiguração da estrutura do emprego ao nível setorial é uma dimensão de análise importantíssima.
A nova forma de organização económica de base tecnológica, ancorada em atividades "colaborativas", bem como velhas e novas expressões da economia paralela, também podem estar a ajudar a estagnar os salários. Por outro lado, não será que o Estado, ao negar aumentos salariais aos seus trabalhadores, acaba por marcar um referencial de políticas salariais e de rendimentos para a economia nacional?
Nesta análise, não se pode deixar de fora da equação os impactos das alterações à legislação laboral no plano europeu e nacional, que enfraqueceram a posição dos trabalhadores e a capacidade negocial e de ação dos sindicatos. Desde as que reduziram a proteção no emprego facilitando despedimentos e permitindo que a precariedade se tornasse um problema sistémico, às que em nome da flexibilidade do tempo de trabalho permitem que o trabalho extraordinário não seja pago como tal, em resultado da proliferação dos bancos de horas. E a fragilização da negociação coletiva, bem como a subversão do papel e da natureza do direito do trabalho travaram muito crescimento dos salários.
Impõe-se um debate que permita identificar as causas e consequências da estagnação e, sobretudo, desenhar políticas que evitem a projeção no futuro de um novo normal de salários baixos e de uma população ativa e residente que declina. Contribuindo para este objetivo, vai realizar-se, no próximo dia 28, no ISCTE-IUL, em Lisboa, um importante seminário internacional sob o lema "Porque não sobem os salários? - salário, emprego e legislação laboral".