O debate sobre o imobiliário, em particular acerca da existência ou inexistência de uma bolha especulativa e da necessidade ou desnecessidade de a combater, trouxe à tona a atitude que aqui designamos por negacionismo dos interesses imobiliários e se caracteriza pela recusa obstinada de toda a evidência de sinais de bolha especulativa.
O especulador é alguém, ou alguma instituição nomeadamente financeira, que se dedica a comprar barato seja o que for para vender caro o que compra, sem lhe acrescentar valor ou acrescentando muito pouco. Para o especulador, o mais importante de tudo é evitar que se difunda a opinião de que as coisas, a cuja compra e venda se dedica, tendem para a desvalorização e não para a valorização.
Mesmo que durma mal, em resultado de pesadelos com bolhas a rebentar, o especulador obriga-se a si mesmo a acordar enérgico, exalando confiança por todos os poros. Ele precisa de “demonstrar” que as tais coisas a cuja compra e venda se dedica (não importa o quê) se vão valorizar amanhã, e depois de amanhã, e assim sucessivamente até ao dia do juízo final. O especulador sabe que, se os seus clientes e potenciais clientes passarem a ter pesadelos como ele, as bolhas podem rebentar. Daí o negacionismo militante dos grandes interesses imobiliários.
A crescente difusão do discurso negacionista em torno do sector imobiliário é, em si mesmo, um indício de que há real perigo de bolha e do seu rebentamento. Os especuladores, contudo, vão desdobrar-se na produção de argumentos técnicos, sociais e políticos que possam convencer o comum das pessoas de que não há perigo iminente. Um deles, muito difundido nestes dias, reza o seguinte: as bolhas especulativas só seriam perigosas se os que se dedicam à compra e venda de imóveis recorressem ao crédito bancário, dando como garantia dos empréstimos aquilo que compram com esse crédito. Isto porque, quando assim acontece e a bolha rebenta, o especulador deixa de conseguir vender ao preço desejado o objeto de especulação e não consegue pagar o que deve ao banco e, o banco, embora penhorando os bens em causa, não obtém com a penhora o valor do crédito concedido. Neste cenário, como bem sabemos, perde o especulador, perde o banco, perdem duplamente as pessoas que eram proprietárias, caso as perdas dos bancos sejam socializadas – pagas com os nossos impostos e rendimentos - como tem acontecido.
Agora, prega o negacionismo vigente, esse cenário não emergirá pois, dizem eles, os especuladores são fundos imobiliários que não recorrem ao crédito bancário. E acrescentam que se a bolha rebentar perderão os fundos e a história acabará aí.
Ora, há pelo menos três ‘detalhes’ que ficam de fora dessa história. Primeiro: no processo de especulação os habitantes das cidades são expulsos para as periferias. Segundo, os preços das habitações nas periferias crescem, embora a ritmo inferior, e essas são compradas a crédito. Terceiro, os preços das habitações, quer nos centros quer nas periferias, tornam-se proibitivos para quem dispõe de rendimentos que permanecem estagnados ou quase, como acontece com a maioria dos portugueses.
A vida de especulador é tão absorvente que não deixa tempo para considerar factos simples: as casas existem para as pessoas viverem nelas e não para serem instrumento de enriquecimento acelerado de alguns; as cidades existem para serem habitadas e organizadas de forma a possibilitarem proximidade aos bens e serviços de que os cidadãos necessitam para trabalhar e viver com dignidade; o crédito bancário para compra de habitação não deixou de existir e não pode esmagar a vida das pessoas e das famílias.
Por muito que custe aos negacionistas, devem ser consideradas com respeito, e não descartadas arrogantemente, as propostas avançadas para combater a especulação imobiliária. E todos devemos de ter presente, também, que nas políticas de habitação como nas do trabalho, as medidas fiscais podem e devem introduzir correções, mas é imprescindível atuar a montante valorizando salários, distribuindo melhor a riqueza desde a sua produção, garantindo, à partida, habitações disponíveis para aluguer ou compra a preços compatíveis com os rendimentos das pessoas.