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06-09-2018        Público

ma inusitada oportunidade surgiu quando o primeiro-ministro António Costa decidiu trazer o tema do regresso dos emigrantes para a agenda da rentrée política. A emigração, sempre longe das políticas nacionais, tornou-se assunto político central. Não podemos desperdiçar este debate, nem deixar de acreditar que é um tema essencial para o país. Portugal precisa de trazer de volta a casa muito do capital humano expatriado na última década. Precisamos dos emigrantes e dos seus filhos para o desenvolvimento do país e não nos podemos dar ao luxo de não construir um plano nacional que tenha no regresso dos emigrantes a sua missão. Louvo o primeiro-ministro pela sua iniciativa. Porém, a ideia de construir uma estratégia de regresso dos emigrantes com base no IRS é, para dizer o mínimo, uma simplificação estapafúrdia da complexidade que o tema encerra. Precisamos de mais ambição, caro primeiro-ministro, muito mais ambição. Como dizia Elvis Presley: “A ambição é um sonho com um motor V8”.

As políticas de um país com a intenção de recuperar os seus emigrados têm subjacente a consideração de que o emigrante é um recurso imprescindível no país de origem. Não cabe aqui defender esta imprescindibilidade que social, económica e demograficamente creio ser consensual. O modo como poderemos planificar esta recuperação é que importa debater. O regresso dos emigrantes pode ser enquadrado no que se define como um desafio social complexo. Um desafio que é de todos e de todas e não apenas do governo. Muita da atratividade que o país tem ou terá baseia-se nas mudanças sociais que importa concretizar e que podem ser induzidas por políticas públicas, mas que exigem uma mudança mais profunda a nível societal.

O tema do regresso dos emigrantes tem sido um não-tema na sociedade portuguesa. Não existe em termos mediáticos, não tem centralidade política, não é importante para a academia, é pouco discutido pela sociedade civil. O regresso de uma boa parte da recente emigração é, porém, crítico para o nosso desenvolvimento económico, social e cultural e o seu não regresso massivo fará declinar o nosso potencial de crescimento económico e desenvolvimento sociocultural. Não podemos ficar satisfeitos com a tendência de descida da emigração portuguesa que ocorre desde 2013, ano em que a saída de portugueses do país atingiu o seu valor máximo deste século com cerca de 120 mil emigrantes. Em 2017 a emigração portuguesa manteve um volume de saída de cerca de 80 mil indivíduos (0,8% da população nacional) distribuída ente migração temporária e permanente, o que não deixa de ser um número muito preocupante. Tal como sempre acontece no que se refere às questões demográficas, as alterações tendem a ser lentas.

Em geral apontam-se 3 tipos de políticas de recuperação de emigrantes: i) programas de repatriamento (aplicáveis em situações de grave crise nos países de destino – por exemplo na atual situação dos repatriados da Venezuela; ii) programas de vinculação com o objetivo de que os emigrantes mantenham uma ativa relação com o país de origem (de que é exemplo a recente iniciativa de recenseamento automático); e iii) programas de promoção do regresso. Como é fácil de perceber, a bonificação da fiscalidade para os emigrantes regressados, neste caso apenas em sede de IRS, é (apenas) uma pequena medida com impacto mínimo. É necessário ir mais além, muito mais além. Neste artigo concentrar-me-ei em 3 áreas mais importantes do que a fiscalidade: carreiras, remunerações, centro de desenvolvimento.

A política de carreiras, emprego e remunerações em Portugal é, comparativamente com outras economias desenvolvidas, um dos fatores de expulsão de recursos humanos do país e, concomitantemente, um travão para o regresso de emigrantes. A manutenção de uma política generalizada de baixos salários (no setor público e no privado) e uma ausência total de planos de desenvolvimento de carreira são mecanismos de repulsão sobre os quais importa atuar. Quando analisamos as experiências relatadas por portugueses qualificados ou muito qualificados no estrangeiro, um dos relatos recorrentes tem a ver com a existência de planos de desenvolvimento ou aceleração de carreiras, capazes de premiar aumentos de produtividade e rentabilidade do capital humano detido. Ninguém se nega a pagar um elevado IRS se o seu rendimento líquido for compensador, se no seu horizonte tiver uma carreira promissora ou se a sua qualidade de vida for sustentável e sustentada. Acordos coletivos de trabalho de um novo tipo, novos estatutos de carreira, uma nova política de remunerações, uma redistribuição mais igualitária das mais valias geradas pelo trabalho fará mais pelo retorno do que um IRS de 20%.

No que se refere à remuneração auferida em Portugal face a profissões e atividades semelhantes nas economias mais desenvolvidas, importa traçar uma estratégia de incremento das remunerações auferidas que permita aproveitar e rentabilizar o investimento em capital humano realizado pelo país nas últimas décadas. Sem um aumento incremental das remunerações médias no país não será possível aumentar a taxa de consumo, de poupança e de investimento que permita alavancar o crescimento do país no futuro. Sem o aumento das remunerações oferecidas não haverá quem queira voltar. O diferencial salarial entre o que pode ser auferido em profissões como as de eletricista, enfermeiro, professor universitário ou futebolista ajuda a explicar a emigração e a dificuldade de estimular o regresso. As políticas e práticas desenvolvidas pelo setor público e privado têm (terão) consequências. Se queremos os melhores é preciso remunerar a qualidade.

Ao longo das últimas décadas, Portugal foi incrementando o investimento em capital humano valorizando o seu principal recurso endógeno: as pessoas. Passámos, em poucas gerações, de uma sociedade de analfabetos a uma sociedade muito mais escolarizada e com formação profissional de vanguarda. Para rentabilizar o investimento em capital humano é necessário apostar em centros de desenvolvimento dos produtos, em Investigação e Desenvolvimento e em interfaces que permitam assegurar uma rápida incorporação no setor produtivo dos conhecimentos de fronteira hoje alcançados pela comunidade de Investigadores e Cientistas. Num país com uma estrutura frágil de capital e muito dispersa por nano, micro e pequenas empresas, só a construção de estruturas partilhadas de Investigação e desenvolvimento (de produtos, de serviços ou de estruturas de organização do trabalho, para só citar alguns exemplos) permitirá acelerar os ciclos dos produtos e acrescentar valor à inovação produzida. É preciso investir estrategicamente para ter retorno.

Precisamos urgentemente de colocar o regresso dos emigrantes na nossa agenda coletiva. Agora que o mês de agosto chega ao fim, que o país fica mais vazio, que as aldeias e vilas do interior ficam mais tristes, que temos um sentimento de perda. Não tem que ser assim. Não pode ser assim. Mudar apenas a fiscalidade via IRS trará apenas um sentimento de injustiça dos que emigraram face aos que permaneceram e não será capaz de inverter um problema social complexo como é a emigração portuguesa contemporânea. É preciso ir além e oferecer um futuro aos que escolhem Portugal como destino.


 
 
pessoas
Pedro Góis



 
temas
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