Os alunos e as alunas que frequentam a escola, desde o pré-escolar ao ensino superior, regressam nas próximas semanas às aulas, para iniciar um novo ciclo do seu percurso formativo. Após as férias, qual será o entusiasmo destes jovens para enfrentar o novo ano letivo?
Especulando um pouco, diria que esse sentimento tem altos e baixos ao longo do percurso académico, com maior entusiasmo no pré-escolar e com menor no final do ensino secundário. Já no ensino superior, tudo poderá acontecer, dependendo provavelmente do sucesso na escolha do curso universitário ou politécnico. São vários os fatores que poderão contribuir para esta reação à escola, nomeadamente o ambiente físico e o modelo de ensino-aprendizagem.
Se o ambiente físico tem sido alvo de uma reforma profunda desde 2007, com o polémico programa Parque Escolar, o modelo de ensino-aprendizagem está desde 2017 em discussão com a Reforma do currículo do ensino básico e secundário, que entrará agora em vigor. Estarão estas duas reformas articuladas?
Quanto ao pré-escolar, o processo de aprendizagem é hoje muito informal, mas de grande eficiência. Aprende-se a brincar, aprende-se pela experiência, aprende-se a fazer, aprende-se em grupo, ou seja, aprende-se com grande liberdade. De um modo geral, os espaços contribuem para este processo, explorando salas e salões de forma não retangular e não unidirecional, por vezes até de formas irregulares, promovendo a imaginação, a criatividade e a descoberta. As salas são mais do que carteiras e cadeiras alinhadas e direcionadas para o professor, prolongando-se para o exterior, o recreio, e com múltiplos pequenos espaços para diversas atividades: ler, desenhar, escrever, tocar, pintar, jogar.
Já o ensino primário e preparatório, atual EB1 e EB2, retomou a disciplina e o modelo clássico que vigorava desde o século 19, abandonando os preceitos que a moderna pedagogia tinha procurado implementar, como bem explica John Dewey, no seu livro Democracia e Educação de 1916. Se, no início do século 20, os alunos e as alunas já necessitavam de um quadro pedagógico e de espaços que promovessem um outro ambiente escolar, podemos compreender que 100 anos depois, num quadro cultural completamente distinto, dominado pelo mundo digital, as necessidades dos estudantes sejam também distintas.
Este modelo oitocentista, constituído pelo menos desde a instituição do ensino público em 1836, está cada vez mais presente nas salas de aulas das escolas públicas e dos colégios privados do ensino secundário, onde os estudantes estão apenas focados em superar-se a si mesmo todos os dias para conseguir entrar no ensino superior.
Nem a inovadora “sala de aula aberta”, proposta no final dos anos 1960, nem a ambicionada abertura da sala de aula ao corredor, através da denominada “learning street”, proposta pela Parque Escolar, foram capazes de alterar substancialmente o modelo de ensino-aprendizagem em torno de uma educação mais inclusiva, mais focada em competências sociais, mais aberta aos problemas do quotidiano. De facto, temos hoje todo o sistema de ensino apoiado em rankings que apenas valorizam a capacidade de responder a exames de conteúdo técnico-científico. Neste quadro crítico, talvez moderado por alguns bons exemplos e boas práticas, como é possível esperar que os nossos alunos e as nossas alunas tenham um grande entusiasmo em regressar à escola?
No entanto, uma grande expectativa está depositada na nova reforma curricular, que entra em vigor este ano letivo, onde se pretende dar maior autonomia às escolas e valorizar outras competências sociais, artísticas e técnicas, através de disciplinas como a “Cidadania e Desenvolvimento” ou o “Complemento da Educação Artística”. Após um ano de experimentação em 200 escolas-piloto, desconhecem-se os resultados que permitiriam antecipar uma efetiva implementação do ambicionado programa do governo.
De facto, para inverter o quadro acima descrito é importante incluir um conjunto de ações, quer ao nível da formação dos professores, dos funcionários e das famílias para que todos e todas compreendam e incentivem a mudança de paradigma, quer ao nível da reorganização e, por vezes, da reforma dos espaços escolares, para que estes também potenciem e contribuam para este outro entendimento da educação. Efetivamente, esta relação entre o modelo pedagógico e o modelo arquitetónico tem de funcionar de modo articulado, como provam os casos de sucesso, no plano internacional, das escolas Montessori projetadas por Herman Hertzberger ou, no plano nacional, das escolas João de Deus, projetadas por Raul Lino.
Ainda que este programa esteja centrado no Ministério da Educação, seria interessante que o Ministério Ciência, Tecnologia e Ensino Superior também o implementasse, considerando que são ainda raros os ambientes universitários que promovem as competências socias a par das competências técnico-científicas. Está hoje provado que são estas que o mercado de trabalho reconhece e valoriza perante uma vasta oferta de mão de obra com as mesmas competências técnico-científicas.
Também aqui se exige um esforço da parte das instituições para repensar as salas de aula, transformando-as mais em laboratórios ou oficinas e menos em auditórios, onde apenas se ouve e não se discute, promovendo a consciência crítica e a capacidade individual de resolver problemas em conjunto, por vezes em diálogo com outras disciplinas.
Todos os anos, o regresso à Escola deveria constituir mais um passo em direção a uma escola democrática e humanista, como bem caracteriza a UNESCO: aprender a conhecer (valorização do conhecimento), aprender a fazer (competências), aprender a ser (realização pessoal, criatividade) e aprender a viver juntos/conviver (coesão social). Para tal, é necessária uma outra pedagogia, uma outra arquitetura e uma outra forma da sociedade encarar o sucesso educativo.