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29-07-2018        Jornal de Notícias

É longa a lista de contextos históricos em que, por razões objetivas e subjetivas, os povos foram conduzidos a terem de encarar a questão da sustentabilidade das contas públicas como algo imperativo, que tudo submete. Não poucas vezes tal "restrição" serviu para a imposição de agendas políticas não sufragadas, daí resultando injustiças e violências sobre os povos. A financeirização da economia aprofundou o argumentário que justifica a preocupação com tal sustentabilidade e vem subjugando a vida das pessoas ao "controlo do défice". Contudo é evidente que os cenários apresentados para nos condicionarem têm por detrás, amiúde, movimentos financeiros especulativos, manipulações de diverso tipo e múltiplos atentados à democracia.

O ministro das Finanças não mostrou até hoje apetência para ditador, não parece ser um homem deslumbrado com ambientes de salões e tem dado sinais de não pactuar com casos de compadrio e corrupção. Então, por que razão Mário Centeno contribui, através das suas análises e pronunciamentos públicos, para condicionar a margem de manobra das políticas em várias áreas, nomeadamente, nas que são estruturantes do desenvolvimento da sociedade, como por exemplo: a saúde, a educação, aspetos centrais da legislação do trabalho, as infraestruturas? Por que razão se preocupa tanto em credenciar a lógica da política orçamental da União Europeia, quando muitos - talvez incluindo ele próprio - sabem perfeitamente que essa lógica está errada? É possível que considere essa sua posição fator importante para a melhoria da notação da dívida pública pelas agências de rating, mas pode estar a subestimar os impactos negativos no crescimento económico vindos de uma consolidação orçamental exagerada que, paradoxalmente, essas mesmas agências poderão invocar para não melhorarem a notação da dívida. E, entretanto, vai introduzindo limitações às políticas que sustentam o desenvolvimento da sociedade portuguesa e comprometendo os objetivos de governação à Esquerda.

Senhor ministro, falar como a Direita - atitude que por vezes parece ser a sua - pode, como sabe, levar-nos, consciente ou inconscientemente, a pensar como a Direita. Uma coisa é certa, tal opção não conduzirá a qualquer alternativa sustentada à Esquerda. Precisamos que o Senhor ministro seja criativo e não um mero executor de regras e regulamentos. Criativo e rigoroso na gestão dos nossos recursos e das contas públicas; criativo na construção de medidas que controlem e moralizem o setor financeiro, desarmem os negócios de favor das PPP, os sistemas de rendas excessivas e outras patifarias organizadas onde "o mesmo euro" ficou comprometido várias vezes; criativo e discreto na identificação de sugestões para a governação resolver os problemas do povo português; criativo nas propostas que, em nome de Portugal, é preciso apresentar no Eurogrupo, na Comissão e noutras instâncias.

Precisamos que o ministro das Finanças faça análises e combate político com objetivos imediatos e com dimensão estratégica. É uma evidência que vários dos grandes desafios que se colocam em áreas estratégicas que já mencionei, na economia em geral, na estrutura e capacitação da Administração Pública decorrem de erros acumulados durante longos períodos e de novas exigências do desenvolvimento que queremos. E, acima de tudo, eles espelham o lastro negativo deixado pelas políticas austeritárias que o Governo PSD/CDS e a troika nos impuseram.

O caminho a seguir não pode ser o do amedrontamento e cedência à Direita. Foi encetado um rumo que deve ser prosseguido sem hesitações. Necessitamos de um sistema público de saúde de qualidade disponível para todos, de melhorar a nossa escola para colocar mais jovens no Ensino Superior e formar os muitos adultos que têm qualificações insuficientes, de melhorar o acesso e eficácia da justiça. Isso far-se-á capacitando os profissionais destas áreas, contratando mais e assegurando-lhes carreiras e remunerações decentes. Precisamos de mais e melhor emprego o que implica continuar a melhorar o salário mínimo nacional, a assegurar diálogo e negociação, desde as empresas ao nível nacional, e a revitalizar a negociação coletiva.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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