Nas diferentes escalas de governação, mundial, europeia e até nacional, parece estarmos a experimentar a transição de um período em que eram tomadas decisões, infelizmente muitas delas erradas, para um outro em que, aparentemente, nada se decide. Ora, as não decisões só muito raramente não conduzem a desastres. Em regra essa opção significa uma de duas coisas: empurrar os problemas com a barriga, ou escancarar a porta à lei da selva e ao desrespeito de valores e princípios que protegem os interesses e direitos de todos.
A Organização das Nações Unidas é crescentemente esvaziada em favor de poderes não instituídos e faz-se de conta. Na última reunião do G7 (um desses poderes), um documento sobre o comércio internacional, já de si vazio, foi bloqueado por uma minoria com poder de veto chamada Donald Trump.
Na União Europeia, cada proposta política - seja relativa aos refugiados e migrantes, seja sobre o futuro do euro - é impedida por uma coligação que muda de composição conforme os temas em discussão, restando, no final, documentos sem coerência que aprofundam as divergências das posições em confronto.
Ao nível nacional, incluindo o que se passa no nosso país, as decisões cruciais tendem, em demasiados áreas e em diversos patamares, a ser adiadas à espera de soluções milagrosas vindas de níveis superiores de “governação”, interno ou externo.
Parece que os responsáveis políticos que nos governam andam quase todos convencidos que os males que nos apoquentam são azares que aconteceram por acaso e que só é preciso esperar que passem. Que passe o Trump, como se este fosse uma espécie de extraterrestre desligado de uma realidade económica, social, cultural e política existente nos EUA e noutros países, que está dando passos estratégicos para se continuar a impor. Que passe a xenofobia na Europa, como se esta fosse um mero vírus que invadiu a atmosfera europeia e não tivesse relações profundas com as políticas sociais e laborais que vêm sendo impostas e com políticas externas desastrosas e injustas. Que passe a obsessão alemã pela acumulação de excedentes à custa de vizinhos europeus, como se o “êxito” alemão estivesse desligado de grandes sacrifícios impostos aos povos incluindo o alemão.
A ordem internacional a que nos habituamos – caracterizada pela hegemonia norte-americana e uma integração europeia dela dependente – está a deixar de o ser, dando lugar a uma desordem ou a novos quadros geoestratégicos e geopolíticos ainda mais complexos. Daí irá emergir um futuro que dificilmente se pode antecipar. Os sinais de momento não são animadores. No borbulhar do caldeirão o que está a vir à tona é uma espuma tóxica feita de intolerância, de autoritarismo, de danos impostos a milhões e milhões de seres humanos. Com as decisões adiadas, a pressão no caldeirão aumenta. E com o aumento da pressão, nem o Trump enfraquece, nem a xenofobia adormece, nem a meia Europa mais rica deixa de sonhar com uma acumulação de “poupanças” sem sentido.
Para onde nos devemos virar, por forma a evitar a acumulação dessa espuma tóxica e da pressão no caldeirão? Se em cada país for o velho centrão, agora pretensamente modernizado com o Movimento Político de Macron em França, os Ciudadanos em Espanha, ou o velho centrão de Merkel aliado aos restos da Social Democracia alemã ou italiana, apenas podemos esperar cedências e compromissos face aos políticos altamente tóxicos da extrema direita e do fascismo e, logo, mais acumulação de lixo.
Nas eleições europeias de maio do próximo ano teremos pela frente um quadro em que vão convergir um amontoado de problemas por resolver, novos impactos negativos vindos da guerra comercial desencadeada pelos EUA e significativas alterações nas representações políticas em muitos países, com aumento do peso da extrema direita.
No plano nacional é necessário encarar este cenário com realismo. As forças políticas da atual maioria parlamentar terão de gerir estratégias eleitorais e de construir compromissos futuros em condições mais difíceis e exigentes. A agenda anterior não está totalmente cumprida e, no atual quadro, surgirão pontos novos que antes ficaram à margem dos acordos.