Moçambique, marcado por uma longa guerra civil cujos principais protagonistas foram a Renamo e as forças governamentais, está a braços com um novo foco de violência armada. Desde outubro de 2017 que episódios de violência marcam a região nortenha de Cabo Delgado. Civis mortos, casas e carros queimados, sequestros e populações em fuga é o sombrio balanço que marca a vida no extremo norte de Moçambique.
Os ataques, que há meses vêm desafiando as autoridades do país, têm sido atribuídos a um grupo armados de muçulmanos radicais conhecidos como Al-Shabaab (i.e., a juventude). Em resposta às ações deste grupo, cujas bases se encontram escondidas na floresta, o Estado moçambicano respondeu com várias ações violentas, envolvendo a detenção de mais de 400 supostos simpatizantes do Al-Shabaab (incluídos vários estrangeiros).
Quais as razões desta nova onda de violência? Será a violência do Estado a melhor forma de resolver este conflito?
A sociedade moçambicana, a exemplo de muitas outras, é marcada por várias tensões: etno-raciais, religiosas, políticas, de género, geracionais, etc. Num contexto de crescente exclusão social - cerca de 40% dos jovens estão desempregados, com tendência a aumentar - o governo atual tem sido criticado por marginalizar o descontentamento e ignorar as preocupações do povo. Sendo Moçambique caracterizado por um mosaico social tão diverso, o descontentamento é expresso de várias formas. Vejamos alguns dos problemas que poderão estar na origem deste conflito.
Um dos primeiros ataques aconteceu em Palma, onde está localizado um dos principais projetos de exploração de gás natural em Moçambique. Vários estudos feitos têm salientado como estes projetos desenvolvimentistas, com o apoio do Estado moçambicano, expropriam e desumanizam os camponeses e pescadores que habitam a zona. Num contexto onde o desejo de enriquecer é a referência, os membros do Al-Shabaab procuram impor-se na região, criando oportunidades de negócios para as elites dominantes dos negócios informais, ou seja, apoiando interesses nacionais e internacionais através de negócios ilícitos de rubis, madeira, etc. Como conclui um estudo recente sobre as razões da radicalização islâmica em Moçambique (cerca de 20% da população é muçulmana), o desejo de gerar instabilidade na região para viabilizar o negócio ilícito está longe do desejo de criar uma sociedade assente na sharia. Os membros do Al-Shabaab podem fazer cerca de três milhões de dólares por semana com o tráfico de madeira e mais de 30 milhões de dólares por ano nas vendas de rubis extraídos ilegalmente, num país onde mais da metade da população vive no limiar da pobreza, ou seja, com menos de um dólar por dia. Este estudo identifica a pobreza, a falta de escolaridade e a exclusão social como os motivos que estão na origem da mobilização do Al-Shabaab que executam os ataques no norte do país. Com efeito, os grupos armados usam o dinheiro obtido para sustentar as famílias que vivem em zonas rurais de Cabo Delgado, permitindo-lhes, também, atrair novos recrutas e pagar pelas missões de mobilização de supostos líderes religiosos estrangeiros.
Num outro plano, esta onda de violência espelha um conflito étnico e económico que tem marcado a região; num ambiente onde os mwanis (maioritariamente muçulmanos) dominavam, a chegada da exploração dos hidrocarbonetos está a alterar a relação de forças. Há mwanis a trabalhar agora para macondes, grupo essencialmente católico oriundo do planalto interior de Cabo Delgado e que agora se estende à zona costeira. Com a costa ocupada por várias explorações económicas (turismo, hidrocarbonetos, construção de habitações para os trabalhadores estrangeiros, etc.), muitos mwanis, pescadores, sentem-se sem futuro.
Serão as armas uma solução? Muitos jovens queixam-se da violência gratuita da polícia, do exército moçambicano, assim como das forças privadas das empresas internacionais na zona, fator que pode explicar o crescente recrutamento em busca de vingança. Quais as alianças a serem forjadas entre os poderosos das empresas da região e estes grupos? E entre os novos capitalistas que usam da técnica do terror e da destruição para ocupar o território? As pressões económicas e sociais que sacodem esta região de Moçambique ajudam a explicar a abertura entre jovens da região à mensagem jihadista de busca de justiça através da sharia.
O prenúncio de uma nova guerra ocorre associado à emergência de novos ricos, com ligações internacionais.
Convém não esquecer que o fundador da empresa militar privada norte-americana Blackwater tem negócios em Moçambique. Neste cenário, os descontentamentos locais podem ser vistos como atos terroristas que põem em causa os interesses económicos estrangeiros (gás e petróleo) na região. E assim se pode levar o mundo dos negócios a acreditar que a jovem democracia moçambicana corre riscos sérios e a legitimar a violência do Estado.
A resposta ao porquê desta nova onda de violência encontra-se na persistência da presença capitalista internacional que faz lembrar as estratégias do colonialismo: o controle de recursos estratégicos e a marginalização de uma grande franja da população, especialmente camponeses e pescadores. Um desafio radical à atual política do Estado deverá passar por intervenções mais viradas para os moçambicanos marginalizados e oprimidos, contribuindo para a promoção do sentido de pertença, como cidadãos, ao projeto nacional.