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25-05-2018        Público

A Assembleia da República aprovou novamente o decreto que confere a um conjunto de engenheiros a possibilidade de assinar projetos de Arquitetura (Público, 4 de maio), após o veto de Presidente da República (Público, 07 abril) e da contestação dos Arquitetos, das Escolas de Arquitetura e de um conjunto de personalidades públicas.

Contrariando o rumo da história das profissões, o legislador insiste em atribuir o papel de arquiteto a um conjunto de profissionais que manifestamente não têm competência nem formação para o desempenhar. As competências do Arquiteto estão hoje definidas pelas Escolas de Arquitetura, pela Ordem dos Arquitetos e pela União Europeia. Esta última constitui-se como órgão regulador da formação e da profissão através de uma diretiva que estabelece 11 critérios para reconhecer a formação em Arquitetura. Pretende-se assim garantir que o Arquiteto tenha competências artísticas, técnicas e sociais, assim como a capacidade de compreender a história e os sistemas de produção para atuar na transformação da cidade e do território. Será que a formação deste conjunto de engenheiros garante estes critérios? Será suficiente ter tido projetos aprovados em câmara municipais, como refere o novo decreto?

De facto, as profissões têm vindo a conquistar uma crescente autonomia e até especialização devido às exigências e responsabilidades que cada uma assume na sua prática quotidiana. Ou seja, não estamos apenas perante um técnico que responde a problema específico, mas sim perante um profissional que atua de uma forma integrada, com uma formação que lhe permite dialogar com outros profissionais e com a sociedade. De facto, esta é hoje uma das competências maiores dos Arquitetos e das Arquitetas, projetar em colaboração, a partir do seu saber e da sua experiência.

O projeto de Arquitetura é assim, cada vez mais, um ato coletivo, que integra o conhecimento de muito técnicos, entre os quais os engenheiros civis, mas também da comunidade, correntemente denominada de atores sociais. Pretende-se que estes atores, que vão habitar os espaços, contribuam com a sua experiência e com os seus desejos para a construção de espaços mais inclusivos e mais adaptáveis à multiplicidade de usos que irão acolher ao longo da sua vida. Trata-se assim de dar aos cidadãos o poder de intervir num processo que irá condicionar o seu futuro e não de reduzir o papel dos Arquitetos. Pelo contrário, estes terão agora de saber também encontrar os métodos de projeto que permitam tornar esta colaboração num processo operativo e não apenas analítico. A autoria do projeto e da obra de Arquitetura é reforçada pela legitimidade que os cidadãos conferem ao Arquiteto por se reconhecerem como parte ativa do projeto, das decisões estratégicas, dos critérios de financiamento, da gestão dos espaços ou até dos métodos construtivos. Este diálogo estabelece uma cooperação ao longo do tempo que reforça o comprometimento de todos os atores com o projeto e a obra. 

Não estamos já perante um simples método participativo, onde se pretende escutar as pessoas, mas sim num amplo processo de cocriação, que dá às pessoas uma voz ativa através de ferramentas que permitem construir os diversos passos do projeto: análise, interpretação, projeto, avaliação, implementação e manutenção. As equipas de projeto passam assim a incluir os técnicos tradicionais - arquitetos, arquitetos paisagistas, artistas e engenheiros - e, também, os técnicos sociais - sociólogos, antropólogos, geógrafos e psicólogos - com o objetivo de contribuir para todo o processo através de metodologias e ferramentas que emergem das ciências sociais, mas que se transformam para apoiar a colaboração de todos os atores no projeto.

Em cima do estirador, o Arquiteto terá o desenho e a maqueta, mas terá também de encontrar espaço para o gravador, onde recolhe a voz, a máquina fotográfica e de filmar para recolher imagens, os post-it para as sessões de design thinking, os blocos de notas para registar as histórias de vida, ou os questionários para registar as estatísticas. Assim, o ato de projetar é cada vez mais complexo, o que obriga o arquiteto a desempenhar uma função artística, técnica, social e política, conciliando o papel de autor e simultaneamente de participante, porque também ele se transforma a partir do processo colaborativo.

Perante este novo contexto profissional, perguntamos ao legislador, se os engenheiros abrangidos pelo polémico decreto estão preparados para os desafios que a própria profissão do Arquiteto enfrenta para dar resposta aos emergentes problemas sociais, ambientais e territoriais da sociedade portuguesa. Depois da aprovação do decreto no dia 4 de maio, terá de ser novamente o Presidente da República a defender os Arquitetos, as Arquitetas e a Arquitetura Portuguesa sem Engenheiros.


 
 
pessoas
Gonçalo Canto Moniz



 
temas
projetos    engenharia    arquitetura