Tenho, como a maioria dos portugueses e grande parte dos cidadãos europeus, formação pessoal e cultura com forte influência cristã que prezo e valorizo, e respeito os sofrimentos do povo judeu, em particular vividos com o Holocausto. Por isso mesmo senti repugnância perante o inacreditável espetáculo televisivo dado recentemente pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Aquela "apresentação de provas" contra o Irão seria apenas um exercício ridículo de propaganda, de um líder político sem escrúpulos e de um Estado com enormes telhados de vidro, se não representasse mais um passo na escalada dos perigosos jogos de guerra no Médio Oriente.
Segundo informação partilhada na Internet, Israel dispõe atualmente de 440 ogivas nucleares. Tendo-se recusado a subscrever o Tratado de não Proliferação de Armas Nucleares, este país do Médio Oriente desenvolveu um programa nuclear imediatamente após a sua proclamação como Estado e conseguiu, com o apoio secreto da França, produzir as primeiras bombas em 1967. Nada disto é confirmado por Israel, mas também não é desmentido. E nunca foi sujeito a qualquer verificação internacional.
Um país acusado de dispor de um amplo arsenal nuclear secreto resolveu acusar um outro país (o Irão) - que subscreveu um acordo de desnuclearização sujeito a verificação internacional - de desenvolver secretamente um programa nuclear. O que é ainda mais dramático é o facto de a Administração norte-americana se ter apressado a confirmar a veracidade das alegações de Israel. "Agarra que é ladrão", é o que nos ocorre dizer.
Recentemente, a Síria foi bombardeada porque, sem qualquer verificação, se presumiu que teria usado armas químicas. Agora, é ameaçado o Irão, apesar de importantes países e a União Europeia terem valorizado os compromissos que assumiu e alertarem para os perigos de uma escalada belicista na região.
Nada disto faz sentido. As relações entre povos e países, de todas as culturas e credos, têm de assentar no respeito mútuo, na reciprocidade e na igualdade, cumprindo valores universais e princípios éticos, bem como decisões e recomendações de organizações internacionais que a todos deviam obrigar. Israel e em particular o seu povo vivem situações por vezes de forte instabilidade e insegurança, cuja resolução exige que não se façam responsabilizações ou análises a preto e branco. Entretanto, não existem dúvidas nas instâncias internacionais quanto à inadmissível ocupação que Israel faz dos territórios da Cisjordânia e dos montes Golã da Síria, quanto ao ostensivo cerco a Gaza, na Palestina, e à instalação de novos colonatos em oposição às resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Com toda a facilidade, Israel bombardeia um país vizinho, recorre à metralhadora para responder a manifestações pacíficas e condena menores a severas penas de prisão.
O Irão está sem dúvida ofensivo nas disputas geoestratégicas de impacto mundial que se movem na região e participa em jogos bélicos ali em curso, mas não ocupa territórios vizinhos. Acrescente-se que tem um regime autoritário, contudo bem mais tolerante e aberto do que o da Arábia Saudita, hoje o grande aliado de Israel de Netanyahu e dos Estados Unidos de Trump, onde os mais elementares direitos religiosos ou das mulheres, por exemplo, são espezinhados.
Face à situação no Médio Oriente, é surpreendente que, em contraste com o que acontece com a península da Coreia, a questão da desnuclearização da região não seja sequer suscitada. Por que razão é tolerável a nuclearização - não confirmada mas não sujeita a verificação - de um país da região? Quem e porquê quer acreditar que as putativas ogivas israelitas estão em boas mãos?
Benjamin Netanyahu é o líder de um partido da extrema-direita, aliado dos fundamentalistas judaicos que assassinaram Yitzhak Rabin e envolvido em enormes escândalos. Por outro lado, Israel comporta-se, amiúde, como um Estado fora da lei.
No que a ogivas nucleares diz respeito, não há mãos confiáveis. Quando vemos personagens tão perturbadoras como Netanyahu, Trump ou Kim Jong-un a jogar com elas, como se de brinquedos se tratassem, mais nos convencemos de que só existe uma solução: o desarmamento.