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10-11-2009        A Cabra
A Universidade portuguesa mudou radicalmente nas últimas décadas. A ideia de que a estratificação da população estudantil obedecia a uma "pirâmide invertida"; (por comparação com a sociedade) não é mais verdadeira. Porém, o acesso à universidade é ainda muito condicionado pela origem de classe. Hoje, a probabilidade de um filho de um trabalhador manual ingressar no ensino superior contra a probabilidade de o mesmo suceder com um filho de um quadro superior é de cerca de 1 para 6, enquanto que há quarenta anos era de 1 para 16. Houve, portanto, uma profunda democratização do acesso. Mas ainda estamos longe de uma igualdade de oportunidades. Continuam a haver milhares de jovens com talento e potencialidades que ficam de fora e, muitos deles, apenas por terem nascido em famílias pobres e socialmente estigmatizadas, estão condenados ao abandono precoce dos estudos e a nunca alcançarem um estatuto social respeitável. Só com uma aposta forte em políticas de discriminação positiva (que premeiem os mais carenciados) e um grande aumento das bolsas de estudo poderemos travar este fenómeno.

O modelo de Bolonha induz mais mobilidade e maior abertura. Mas, o alargamento conjugado com a compactação dos cursos de 1º ciclo em três anos (na maioria das áreas) vulgariza a licenciatura e remete a formação avançada para o 2º ciclo (mestrado) ou o 3º (doutoramento). A diferenciação passa a fazer-se nestes graus, muito mais selectivos. Por outro lado, o recente RJIES coloca em risco algumas das conquistas democráticas, inclusive no que toca ao espírito colegial e à representação dos diversos corpos da Universidade nos seus órgãos de governo. A representação dos estudantes foi praticamente retirada das estruturas de gestão, o que, noutras épocas, seria motivo por si só para uma rebelião estudantil generalizada.

Vive-se hoje um momento de profunda viragem no ensino superior, mas é ainda cedo para podermos avaliar os seus custos e benefícios. Sabemos que ao longo dos tempos muitas reformas universitárias se ficaram pelo papel ou conduziram a objectivos contrários aos anunciados. Sabemos também que a Universidade pública tem vindo a ser estrangulada nos seus recursos, vendo-se assim obrigada a socorrer-se das propinas cobradas aos estudantes para responder a despesas elementares que deveriam ser supridas pelo Estado. Assim, o ensino superior público passou a ser "tendencialmente caro";, quer pelas anuidades de licenciatura quer pelas propinas dos estudantes de 2º e 3º ciclo, sem que daí resultem melhorias visíveis na qualidade das infraestruturas e das condições pedagógicas em geral.

Num contexto em que os jovens recém-formados perderam o direito ao futuro (e em tempos de crise vivem apavorados pela condenação à precariedade ou ao desemprego), importa recordar que as grandes mudanças sociopolíticas – e no sistema de ensino – foram quase sempre dinamizadas pela acção da massa estudantil. O que aconteceu nos últimos anos em Portugal foi um conjunto de medidas políticas e estratégias centralistas, impostas de cima, para as quais os estudantes (e em boa parte também os docentes) não foram ouvidos nem achados (ou só o foram para legitimar decisões já tomadas), e em que o movimento associativo se mostrou apático.

Todavia, os efeitos de Bolonha e de outras medidas legislativas só agora começam a notar-se. Ora, se nos lembrarmos que tudo isto ocorre a par e passo com o acentuar do desemprego, num clima de crise que teima em ficar, perante o espalhar da precariedade, do emprego mal pago, a super-exploração e a ausência de medidas que dêem novo alento à juventude qualificada que sai das nossas universidades, é provável que – tal como aconteceu no passado – o movimento estudantil volte a tomar corpo. Além do mais existe hoje um caldo social bastante propício à reemergência de um novo radicalismo juvenil de consequências políticas imprevisíveis. Lembremo-nos das revoltas em França em 2006, na Grécia no ano passado e na Catalunha no início deste ano.

 
 
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Elísio Estanque