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15-04-2018        Jornal de Notícias

Desde os anos oitenta do século passado, a direita neoliberal e setores do centro esquerda colonizados pelas ideias desta mesma direita foram bastante bem-sucedidos na tarefa de “quebrar a espinha aos sindicatos”. O neoliberalismo tem os sindicatos como inimigos porque, na diversidade das suas correntes, eles têm sido: componente importante da democracia; denunciantes de algumas das piores aberrações do capitalismo; impulsionadores determinantes do reformismo progressista; excecionais atores da transformação social.

Ao longo dos seus quase dois séculos de existência – os sindicatos são um movimento social com características específicas, mas o mais antigo de todos –têm atravessado crises, por vezes profundas, gerido mudanças nem sempre em condições de liderança, mas com extraordinárias capacidades de resistência. A enorme ofensiva neoliberal de hoje está a provocar-lhes grandes danos e, associada a impactos decorrentes das mudanças tecnológicas e societais em curso, colocam-se-lhes enormes desafios orgânicos, reacerto de agendas e alterações de práticas. Mas creio que não os derrotará.

Hábeis na retórica da inconsistência, os promotores da cartilha neoliberal distribuíram trabalho entre si. A uns coube combater os sindicatos por estes serem “instrumento ao serviço da defesa de privilegiados”, apresentando-os como cúmplices da precariedade e das más condições em que se encontra a maioria dos jovens. Outros procuraram provar o seu envelhecimento irrecuperável e o seu elevado custo. Outros ainda, dizendo amá-los muito, afadigaram-se a criar mais e mais sindicatos, desde que moldados “aos novos tempos”. Em todas as frentes colheram frutos. Ao mesmo tempo que muita gente se afastava dos sindicatos por repulsa relativamente à imagem que deles era projetada, o sindicalismo fragmentava-se, sob a capa do “pluralismo”, numa miríade de organizações, muitas delas desprovidas de representatividade, mas mesmo assim dotadas de prerrogativa de negociação e celebração de contratos colectivos, o que facilitou imenso o ataque à negociação colectiva. A inconsistência retórica do neoliberalismo é só aparente. Para a “engenharia” neoliberal, a inexistência de sindicatos, ou a existência de muitos – o ideal seria mesmo um por cada trabalhador – é absolutamente indiferente. O importante é anular a possibilidade de ação coletiva por parte dos trabalhadores, quer no plano reivindicativo, quer no plano político, isto é, no do aprofundamento das transformações democráticas da sociedade.

Entretanto, apesar de três décadas de resistência e recuo o sindicalismo sobrevive, como já havia sobrevivido em outras fases históricas complexas. Estão-se realizando importantes lutas laborais, em Portugal e noutros países como a Alemanha, a França, a Bélgica. Isto mostra que alguma coisa está a mudar. Há possivelmente uma geração que viveu à margem dos sindicatos e os está a redescobrir. Experimentadas as consequências do cada um por si nos mercados, deve haver muitos trabalhadores que nas suas ruminações solitárias são levados a pensar que não será má ideia encontrarem-se com outros na mesma situação e com eles fazer alguma coisa de interesse comum contra a precariedade, a desvalorização do salário e das condições de trabalho. Os sindicatos são redescobertos como importante arma contra o medo, função que tiveram desde a sua origem.

Por razões objetivas as tensões surgem fortes em três grandes sectores de atividade: nos transportes, sector que se ampliou e diversificou face à inovação e crescimento dos meios que utiliza e ao aumento da necessidade de mais mobilidades; nos novos serviços em crescimento, até porque grande parte deles são prolongamentos da indústria; na Administração Pública, porque existem condições para as pessoas exigirem mais e melhores direitos fundamentais, porque o Estado tem papel primordial no combate às desigualdades e na distribuição da riqueza, porque o Estado tem de agir contra o autoritarismo.

Mas, haverá limites para a organização e as práticas das plataformas de trabalho e das grandes empresas? Sim. Existem e existirão os Estados e as organizações supranacionais e, acima de tudo, a Lei, a Moral e a Ética são e terão de ser fronteiras.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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