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25-03-2018        Jornal de Notícias

Quem acredita que “o que pode ser feito acabará sempre por ser feito se houver quem retire benefício económico disso”, numa perspetiva de que o poder do dinheiro se sobrepõe a todos os outros poderes e ao Estado de Direito; quem acredita que “o Direito tem de se adaptar sempre à realidade” correndo atrás de determinismos tecnológicos, deve ter ficado surpreendido com dois acontecimentos recentes. O primeiro, foi o abalo provocado pela revelação do uso ilegal de dados pessoais coligidos pela Facebook. A perspetiva da condenação desta mega empresa nos tribunais está a provocar enorme queda no seu valor bolsista e os cidadãos sentem-se apreensivos face a esta ilegalidade. O segundo, o atropelamento mortal causado por um veículo sem condutor da UBER, seguido da imediata suspensão destes estúpidos testes realizados na via pública, decisão tomada na hora para evitar maiores complicações jurídicas.

Um certo clima de condenação geral vai rapidamente ser controlado por poderes económicos, financeiros e comunicacionais que se estruturam e alimentam da imensa riqueza propiciada pela subversão do Direito. Mas estas duas empresas (ou outras do mesmo tipo) podem vir a juntar-se às muitas que, no passado, sucumbiram em consequência de conflitos com o Direito e com os Tribunais.

Estes incidentes servem para nos lembrar que a ética e o direito podem, em muitas circunstâncias, impedir que seja feito o que pode mas não deve ser feito. Por que razão deve o direito adaptar-se a inovações tecnológicas que permitem fazer o que consideramos não dever ser feito? Por que razão não é a tecnologia a acomodar-se a objetivos que nos permitam realizar o que desejamos e é justo fazer?

No domínio do Direito do Trabalho todos os dias ouvimos que ele tem de se adaptar às novas realidades do “mercado de trabalho”, ou seja, à financeirização da economia, à mercantilização do trabalho, ao individualismo exacerbado, à acumulação desmedida de riqueza pelos acionistas e gestores de topo de grandes grupos empresariais, à substituição de leis democráticas pela lei do patrão. Inventam-se atividades “desmaterializadas”, proletarizam-se velhas profissões liberais ao mesmo tempo que muitos dos antigos e atuais proletários são forçados a transformar-se em empresários de si mesmo.

Também o Direito do Trabalho não pode ir atrás destas pretensas novas realidades. Ele sempre influiu e não pode deixar de influir nos impactos vindos da evolução tecnológica, das alterações demográficas, das opções económicas e políticas, das mudanças organizacionais e gestionárias. Sem ele os desequilíbrios de poder entre o capital e o trabalho destruirão as sociedades democráticas. O Direito do Trabalho choca frontalmente com a transformação das relações laborais de tipo salarial em relações de “prestação de serviços” propiciada por plataformas digitais como a UBER. Por outro lado, empresas como a Facebook não podem continuar a ser predadoras impunes que ganham milhões vendendo informação privada sem o direito de dispor dela.

Na utopia de mercado generalizado, a UBER prenuncia que todos poderemos ser consumidores e prestadores de serviços, uns ligados a outros num mercado digital, onde os prestadores estão sempre às ordens e os consumidores sempre e prontamente a serem bem servidos. Tudo parece perfeito e emanando “naturalmente” do uso das novas tecnologias, mas de facto as pessoas que estão naquela engrenagem não passam de peças descartáveis e o tal mercado digital é propriedade de uma empresa.

Como vão ser autonomizadas e desmaterializadas as funções da esmagadora maioria dos trabalhadores que continuarão, necessariamente, a trabalhar concentrados em espaços concretos para garantirem a produção na indústria, nos mais diversos setores de atividade e para executar as funções da Administração Pública?

Será que está em marcha a privatização do que nunca foi privatizado – o próprio mercado, ou segmentos de mercado?

É preciso impedir a transformação das pessoas em objetos facilmente descartáveis e será um absurdo deixar privatizar os mercados. Estas são boas razões para o Direito se entrepor, impedindo que a vantagem de alguns transforme a vida de todos num inferno.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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