Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
15-02-2006        Diário Económico
A ansiedade actual em face do risco resulta em grande medida do facto de os "novos riscos" serem invisíveis e incalculáveis.

Quando se assinalam 250 anos sobre o grande terramoto de Lisboa e se rememora não apenas a dimensão catastrófica do evento mas também a resposta das autoridades da época à necessidade de "enterrar os mortos e cuidar dos vivos", faz sentido reflectir sobre a governação do risco nos dias de hoje – reflexão tanto mais actual quanto a ideia de que vivemos numa "sociedade de risco" se tornou quase banal.

Vários acontecimentos trouxeram o risco para a ordem do dia: a emergência de novas doenças como a SIDA ou a BSE; o desenvolvimento de culturas e produtos geneticamente modificados; o reconhecimento das alterações climáticas globais, entre outros. A ansiedade actual em face do risco resulta em grande medida do facto de os "novos riscos" serem invisíveis e incalculáveis. Acresce que muitos deles transcendem as fronteiras nacionais. A propagação de doenças ou a disseminação de produtos contaminados acompanham a mobilidade das pessoas, o comércio das mercadorias, a transferência das tecnologias.

A omnipresença do risco aparece associada, sobretudo, aos impactes das aplicações industriais e tecnológicas. No entanto, as consequências dramáticas de fenómenos como a onda de calor do Verão de 2003, o ‘tsunami’ de finais de 2004 ou as inundações em Nova Orleães reforçaram a consciência geral de que mesmo os riscos naturais podem ser agravados pela acção do homem. Por estranho que pareça, numa sociedade altamente tecnológica como a actual, o número de catástrofes naturais tem conhecido uma acentuada progressão. Segundo um relatório do Conselho Internacional das Uniões Científicas (ICSU), de Outubro de 2005, elas terão passado de 100 por década entre 1900 e 1940 a 2800 na década de 1990. A concentração das populações nas zonas costeiras, as modificações do clima, certas práticas agro-industriais, aumentam a vulnerabilidade das sociedades. A propensão das autoridades para minimizar o risco e a sua preocupação de reduzir a despesa pública explicarão o resto... O estudo do ICSU exorta os governos a investirem na prevenção, sublinhando que os investimentos na redução dos factores de risco são quase sempre menos elevados que as despesas consagradas às pós-catástrofes, numa relação de 2 a 5.

É um facto que a política da União Europeia no domínio do risco ambiental ou alimentar tem-se pautado pela procura de padrões elevados, em contraste com a tendência mais liberal dos EUA. As instituições europeias têm sido pioneiras no lançamento de reformas que se traduziram na adopção dos princípios do desenvolvimento sustentável e da precaução, na imposição de estudos prévios de avaliação ambiental ou de obrigações de rotulagem e rastreabilidade de produtos.

Mas a gestão do risco é partilhada entre a UE e os Estados membros. E as políticas e práticas nacionais variam consideravelmente. Um olhar sobre o que se tem feito em Portugal a seguir à ocorrência de crises associadas a novos ou "velhos" riscos revela uma tendência para a encomenda de estudos ou a adopção de leis ou planos, por vezes com celeridade. Estes, todavia, ou não são continuados ou são mal aplicados ou são pura e simplesmente ignorados. Há quem fale, a propósito, de "risco da práxis" a par do "risco real". O "risco da práxis" radica na fragmentação e falta de cooperação entre as instituições, na carência de mecanismos efectivos de aconselhamento científico e nas falhas do controlo e efectividade da regulação pública.

O dever de antecipar os efeitos adversos das nossas opções práticas reveste-se hoje de tanto mais importância quanto maior é o impacte do homem sobre a natureza e a sociedade. A responsabilidade de prevenir os desastres deve ser vista, de resto, como uma responsabilidade partilhada por todos: Estado, empresas e cidadãos. Assim sejamos capazes de utilizar os conhecimentos e meios técnicos ao nosso dispor para cumprir a nossa obrigação de bem governar o risco.