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15-03-2006        Diário Económico
Apostar nos grandes orçamentos publicitários aumenta barreiras a novas empresas que poderiam trazer inovação e baixar os preços.

Há um debate a ganhar forma em torno da publicidade e da sua regulamentação. A nova Entidade Reguladora para a Comunicação Social preparar-se-á para lançar um processo que redesenhará o enquadramento institucional da actividade. Entretanto, a associação do sector (APAP) pediu uma audiência parlamentar e apressou-se a marcar posição junto da imprensa.

Este artigo apresenta uma avaliação dos argumentos do ‘lobby’ dos anunciantes e procura produzir e tornar persuasivos argumentos exactamente opostos.

A APAP mostra preocupação com o futuro da actividade publicitária (DN 02/03/2006). Diz-se que a publicidade estimula a concorrência, forma e informa o público. Que a auto-regulação é melhor que a regulação. Que é a publicidade é um direito fundamental. E ainda que a publicidade deve ser prestigiada: "É disso que o País precisa" (sic).

Compreende-se que a APAP tenha interesses a defender, comportando-se como vigilante do vigilante. Contudo, é menos compreensível que um representante dos cidadãos (de todos eles) sustente posições unidimensionais e simplistas como o deputado Arons de Carvalho no final da audição: "Acredito nos benefícios da publicidade, não só como serviço informativo para o consumidor, mas pela criatividade que acarreta para o mundo". Os consumidores (que pagam, quer queiram quer não, a publicidade quando compram os produtos) e os cidadãos (que pagam os salários dos seus representantes) têm o direito de não levar para casa gato por lebre.

Entremos na matéria. Qualquer manual ‘standard’ de ciência económica diz que o objectivo da publicidade é dúplice: informação e persuasão. Isto é: tanto forma como deforma. Qualquer manual de marketing diz ainda que a publicidade se destina a influenciar as preferências dos consumidores e a inflacionar os desejos de compra.

O argumento que a publicidade aumenta a concorrência é especialmente frágil. Um resultado forte e conhecido da análise económica é que existe uma relação clara e positiva entre intensidade publicitária (despesa no volume de vendas) e poder de mercado (capacidade de impor preços). Chama-se a este resultado analítico a condição de Dorfman-Steiner. A publicidade constrói inelasticidade em volta dos produtos, aumentando o grau de monopólio. E sabe-se como é nefasto o grau de monopólio para a eficiência dos mercados e para a relação de forças entre empresas e consumidores finais. Pior, sabemos também que a aposta em grandes orçamentos publicitários aumenta as barreiras à entrada de novas empresas que poderiam disputar o mercado, trazer inovação e baixar os preços.

Uma análise que contemple o bem-estar social precisa ainda de considerar as "externalidades negativas" da publicidade. Deve assumir (porque não?) a perspectiva da publicidade como ‘spam’ indesejado, que viola a nossa privacidade à força e sem permissão. Exemplo: quem anda de metro em Lisboa tem visto a publicidade a aumentar sem que o preço do bilhete diminua – é hoje uma tortura tentar ler um livro porque nas estações ‘écrans’ gigantes recém-instalados cospem anúncios sem cessar e em alto volume – dentro da carruagem é-se cercado por impertinentes cartazes apelando ao endividamento junto de empresas de crédito pessoal. O problema não é actividade de publicitação em si mesma, mas sim a omnipresente, asfixiante e impositiva selva publicitária em que se tornou o quotidiano.

Em que ponto de uma sociedade livre e aberta fica o direito de ser deixado em paz?

Toda esta indústria de promoção de vendas é eficaz, se a medirmos talvez usando o endividamento das famílias como indicador de desempenho. Mas é paradoxal ver como uma das principais fraquezas da economia portuguesa é a enorme dificuldade em criar marcas no exterior.

Afinal do que é que precisa o país?

Os alvos de publicidade, os cidadãos, não estão em pé de igualdade porque não têm uma organização simétrica para se poderem defender. É necessário sofisticar a discussão em causa. Uma reflexão séria e racional é legítima e urgente. Em cada abertura de um novo debate surge uma oportunidade para democraticamente contribuir para o aperfeiçoamento da sociedade que partilhamos. Aproveitemos.

 
 
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