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22-03-2006        Diário Económico
É preciso mais heterodoxia. Mas também novos gestores, capazes de assumir o risco de estimular desafios e promover a inovação, dentro e fora das organizações.

Há semanas, neste mesmo espaço, o meu colega Manuel Mira Godinho sublinhava, a propósito do episódio da Baía dos Porcos, os problemas associados a uma excessiva convergência de posições. Neste artigo vou abordar um tema paralelo, não tanto no que respeita à decisão pública, mas colocando-me na perspectiva da promoção da inovação nas empresas.

Inovar é mudar. É fazer coisas diferentes ou de outra maneira. É pôr em causa as ideias dominantes e explorar novas possibilidades. Por isso, inovar não é fácil. Comporta riscos em diversos planos.

As recompensas esperadas, antecipadas, nem sempre se materializam: os vencedores são frequentemente os pioneiros (nem sempre, porém), mas muitos pioneiros falham. A esmagadora maioria das inovações é incremental, mas a inovação radical pode ter ‘pay-offs’ elevadíssimos. A inovação requer a existência de uma base mínima de conhecimento e, cada vez mais, uma capacidade de combinar conhecimentos de natureza diversa. Todavia, a inovação não pode ser feita por conformistas. Inovar implica desafiar uma ‘ordem’ estabelecida. Inovar implica heterodoxia.

Em qualquer organização, a capacidade de partilhar e desenvolver conhecimento em conjunto está associada à existência de premissas partilhadas e de códigos comuns. Para partilhar conhecimento é preciso estar no mesmo ‘comprimento de onda’. As rotinas e procedimentos organizacionais facilitam este sentimento de pertença, e reforçam as possibilidades de obter rendimentos, com base em conhecimentos, capacidades ou posições detidos. Elas tendem, no entanto, a estimular o desenvolvimento de uma ortodoxia, de um conjunto de regras sobre como actuar (’the way how things are done here’, nas palavras de Sidney Winter, um dos pioneiros da aplicação das perspectivas evolucionistas à economia). Essa ortodoxia é tanto mais acentuada quanto os sucessos do passado definem as acções a desenvolver no futuro. Ou quanto a vantagem assenta em posições ‘herdadas’, cuja durabilidade parece inquestionável e que asseguram à empresa margens confortáveis que a tornam complacente consigo mesma.

Contudo, as organizações compostas apenas por ortodoxos, por pessoas que sentem, actuam e encaram os negócios da mesma forma, estão condenadas, a prazo, ao insucesso, pelo próprio processo de evolução dos negócios. O mesmo sucede com as que, supostamente escudadas numa posição (por vezes, abusando da sua posição dominante, em termos competitivos), acordam um dia surpreendidas por uma oferta de aquisição considerada hostil.

Se as rotinas e um pensamento comum são relevantes para assegurar uma eficiência estática, podem tornar-se um obstáculo quando se pensa em termos de eficiência dinâmica. Esta exige mudança. Implica o desvio face ao passado, para experimentar novas possibilidades: novos produtos, novos serviços, novos modelos de negócio. E a mudança requer heterodoxos – pessoas que, embora partilhando uma pertença e uma cultura organizacional comuns, tendem a pensar diferente. Se inovar corresponde a olhar a realidade de outra forma, a heterodoxia é o fermento da inovação.

Torna-se, pois, necessário aceitar – mais do que isso, estimular – a diferença no seio das organizações, para se percepcionar outras facetas da realidade e identificar novas oportunidades. Por maioria da razão, a presença de heterodoxos nas equipas de projecto de desenvolvimento de novas tecnologias ou produtos torna-se indispensável. Tal não é fácil, porém. Não é fácil, quando a gestão não dispõe da legitimação e da capacidade necessárias para estimular a abrasão criativa entre ortodoxia e heterodoxia. Não é fácil, sobretudo, quando a gestão encara o pensar diferente como um desafio ao seu poder e receia que tal desafio acabe por mostrar a triste realidade – que, sob a refulgente roupagem do poder, o rei vai nu.

É preciso, por isso, mais heterodoxia. Mas também novos gestores, capazes de assumir o risco de estimular desafios e promover a inovação, dentro e fora das organizações. Gerir a inovação implica a capacidade de ‘abrir’ espaços de oportunidade e de confronto de posições e soluções, para posteriormente ‘fechar’, através do estabelecimento de sínteses criativas entre perspectivas pretensamente antagónicas. E, no mundo de hoje, gerir a inovação é cada vez mais necessário.