Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
29-03-2006        Diário Económico
Precisamente por acentuar o valor social e económico da informação, a Internet veio fazer desta também um sinónimo de negócio.

Uma das polémicas que, ultimamente, mais tem mobilizado a opinião pública em França é a que incide sobre o estatuto das obras intelectuais na Internet. O contexto é o da discussão no Parlamento da transposição da directiva da Comunidade Europeia (CE) sobre harmonização dos direitos de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, (Directiva 2001/29/CE). Uma directiva que, curiosamente, foi introduzida na lei portuguesa há quase dois anos (Lei n.º 50/2004, de 24/8) quase sem eco mediático…

O debate opõe os que advogam a liberalização do consumo de criações intelectuais (filmes, músicas, jogos vídeo, etc.) na Internet, legalizando a troca de ficheiros entre internautas a troco de uma remuneração suplementar à assinatura do acesso à rede, e os que, na linha da orientação da Comissão Europeia, defendem o reforço da protecção dos direitos de autor na rede assimilando cada utilização gratuita de obras a uma contrafacção ("pirataria" na linguagem corrente).

Por detrás desta contenda, encontra-se o "paradoxo" da Internet. A natureza desta como rede global propicia uma "explosão" da criatividade humana e a circulação sem limites de tempo e de espaço, e sem perda de qualidade, de quantidades vastíssimas de informação (dados, textos, imagens, sons…), protegida e não protegida, com inegáveis benefícios para a sociedade. Mas precisamente por acentuar o valor social e económico da informação, a Internet veio fazer desta também um sinónimo de negócio. A directiva europeia de 2001 não representa, de resto, mais do que uma etapa no processo de expansão e reforço dos direitos de propriedade intelectual encetado, no início dos anos 90, pela Comissão Europeia com o intuito de promover a competitividade da indústria e dos serviços de informação na Europa.

Recorde-se que o fundamento deste direito residiu, desde sempre, numa conciliação entre os interesses dos autores em usufruir os benefícios das suas obras e o interesse da colectividade no "progresso das letras, das artes e das ciências", como proclama a Constituição americana. A fim de alcançar esse equilíbrio, a lei garante aos primeiros uma compensação moral e material e à segunda a possibilidade de utilizar livremente as obras dentro de certos limites, designadamente, para fins educativos ou informativos (p. ex., nas bibliotecas) ou para outros fins não comerciais (o ‘fair use’ dos sistemas anglo-saxónicos). A realidade, porém, é que os regimes que vêm sendo consagrados na Comissão Europeia tendem a restringir a liberdade de acesso do utilizador: por exemplo, ao estenderem os poderes exclusivos do autor – que incidem, tradicionalmente, apenas sobre as reproduções permanentes da sua obra – às reproduções transitórias (isto é, à sua mera visualização num écran de computador); ou ao reconhecerem um novo direito aos "fabricantes" de bases de dados sobre a informação contida nessas bases. Uma consequência prática deste direito é que o acesso ‘on-line’ efectua-se hoje, cada vez mais, no quadro de contratos de licença com os proprietários das bases e são estes que definem as condições (tendencialmente mais restritivas) desse acesso.

Ora, esta evolução ocorre na "era do ciberespaço", quando a informação granjeou foros de necessidade fundamental. Como salientou Rifkin, no seu livro "The Age of Access" (2000), "antigamente, ser livre era ser autónomo, isto é, não ser dependente nem devedor. E para ser independente era preciso ser proprietário. Numa sociedade assente, cada vez mais, na informação e no conhecimento, a liberdade deve passar a ser entendida como direito de acesso à informação." De facto, na medida em que se converteu num bem de interesse público, decisivo para o progresso social e para o desenvolvimento do indivíduo, a informação suscita um problema de equidade social. Impõe-se, por isso, que o legislador se preocupe com a garantia dos direitos de acesso dos cidadãos à informação no contexto digital e não só (como parece ser o caso), com os direitos dos investidores e dos autores.