05-04-2006 Diário Económico
Numa lógica evolutiva do tipo "darwiniano", poder-se-ia assumir que os organismos que vão sobreviver seriam os mais eficientes . Contudo, o que constatamos é diferente.
Na passada quinta-feira o primeiro-ministro apresentou ao país o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado. Esta proposta consubstancia um curioso exercício de "darwinismo institucional". A reengenharia prevista vai, no seu conjunto, no mesmo sentido: emagrecimento da estrutura existente. Genericamente, esta é uma ideia boa. Estamos todos conscientes da duplicação de estruturas e ineficácia de muitos serviços públicos.
A questão que se coloca é se a revisão prevista apresenta pertinência que não apenas a imposta pela referida lógica de emagrecimento.
Olhando para o caso de um Ministério específico, o da Economia, a resposta a essa pergunta é negativa. Este Ministério é, provavelmente, o que mais sofrerá com as curas de emagrecimento propostas. Entre outras alterações relevantes, prevê-se a eliminação do IPQ (Instituto Português da Qualidade) e a transferência do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) para o Ministério da Justiça.
Numa lógica evolutiva do tipo "darwiniano", poder-se-ia assumir que os organismos que vão sobreviver seriam os mais eficientes e os condenados a desaparecer os menos adaptados ao contexto emergente. Gostaríamos que assim efectivamente fosse. Contudo, o que constatamos é algo diferente.
O Ministério da Economia é um ministério à deriva há já alguns anos. Episódios como o da fusão e posterior separação do IAPMEI e do ICEP são testemunho de tal circunstância. O conceito de "diplomacia económica" que em certa altura se tentou promover, embora estrategicamente pertinente, era à partida um nado-morto pela dependência dos corredores e antecâmaras das embaixadas.
Uma interrogação, legítima, agora, é se de algum modo não estaremos a assistir ao aparecimento de estruturas governamentais "opáveis". Na verdade, o primeiro ciclo de vida do Plano Tecnológico – que coincidiu com a sua morosa gestação no Ministério da Economia até à apresentação pública e posterior transferência para a Presidência do Conselho de Ministros – configura uma primeira situação desse tipo. A transferência agora prevista do INPI para a Justiça, revela um episódio semelhante.
A racionalidade desta transferência está, à partida, por revelar. Nos EUA o USPTO, organismo correspondente ao INPI, faz parte da estrutura do Departamento de Comércio. E no Japão o organismo equivalente integra a estrutura do Ministério da Economia, Comércio e Indústria. Assim, quando Portugal evidencia um atraso dramático na obtenção de patentes e de outros direitos semelhantes por entidades nacionais no estrangeiro, a colocação do INPI na esfera governamental da Justiça, é prova de evidente cegueira estratégica. Na verdade, a Propriedade Industrial transformou-se num aspecto central das relações internacionais na era da actual Economia do Conhecimento. Como tal deveria pois ser tratada.
A lógica do que se está a assistir, de liquidação progressiva do Ministério da Economia português, poderá ser semelhante à verificada em Inglaterra, há mais de uma década, quando se substituiu o Departamento de Comércio e Indústria (DTI) por uma simples "Junta de Comércio", a qual foi rapidamente reinvestida no início dos governos de Blair com capacidades estratégicas que haviam sido eliminadas.
A eliminação do IPQ parece também sugerir que a temática da Qualidade deixou de ser relevante para o tecido económico português. Perdidos na vertigem de medidas e programas múltiplos orientados para a inovação, parecemo-nos esquecer que para a larga maioria das organizações portuguesas a temática da "qualidade" continua a representar o estádio de progresso imediato mais pertinente.
Face aos reconhecidos esforços e desempenho de muitos técnicos e dirigentes de organismos, institutos e programas do Ministério da Economia, as decisões agora anunciadas revelam apenas o desleixo estratégico no vértice da pirâmide.