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19-04-2006        Diário Económico
Qual o valor actual das patentes para a regulação económica?A suspeita de que o patenteamento se tornou um fim em si mesmo tem vindo a ganhar um eco ensurdecedor.

Inovação, propriedade industrial e saúde pública. Estas questões são centrais para a governança global segundo um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) saído este mês. A gripe aviária fornece o mote para o debate sobre os incentivos para a produção e distribuição de conhecimento tecnológico.

Comecemos pelas dúvidas que se vão acumulando sobre o valor das patentes enquanto instrumento de regulação económica. As patentes surgiram para encorajar os agentes privados a inovar em nome do benefício público. No entanto, a suspeita de que o patenteamento se tornou um fim em si mesmo tem ultimamente ganho um eco ensurdecedor. Três exemplos retirados da imprensa internacional ilustram estas preocupações.

A Business Week em Janeiro referia-se às explosivas taxas de crescimento de novas patentes, muito acima do ritmo das despesas em I&D, como uma autêntica "epidemia" (sic). Citava-se um grupo de juristas que apontam o fenómeno de sobre-patenteamento massivo nos mercados internacionais como um obstáculo desnecessário à inovação. Um produto sofisticado poderá ter facilmente centenas de componentes, e milhares de potenciais patentes a pender sobre toda a tecnologia empregue. É virtualmente impossível não pisar numa patente pré-existente, forçando a empresa a redesenhar o produto para contornar a litigação. Consequência: produtos mais caros que chegam mais tarde ao mercado.

Mas a situação pode ser descrita de modo bem mais negro. Num editorial de 21 de Março, o Financial Times apontava o caso BlackBerry (computador de bolso muito popular nos EUA) como um indicador da crise. O instituto de propriedade industrial dos EUA e os tribunais têm sido muito permissivos na concessão de patentes. Muitas patentes são detidas por motivos meramente especulativos por parte de não-inventores (neste caso o fabricante do BlacBerry foi processado por um advogado, não por uma empresa rival do ramo da electrónica). O fenómeno da multiplicação descontrolada de patentes é descrito como favorecendo o negócio da "extorsão" (sic).

O último exemplo destas preocupações aparece no New York Times, 19 de Março. Mais um processo judicial foi levado ao Supremo Tribunal norte-americano, motivado pela publicação de um artigo científico que faz mera referência a uma patente que estabelece a correlação entre altos níveis de um dado aminoácido e situações de carência vitamínica. Esta patente cobre um facto científico. A contradição está em que os produtos da natureza (por ex. lei da gravidade) não são patenteáveis pela razão simples de que não são inventados, mas sim descobertos.

Estes e outros casos são geralmente tidos como indicadores de que o sistema norte-americano, tradicionalmente aquele que marca as tendências do sistema internacional, está a necessitar de reforma urgente. Um sistema que foi pensado para compensar os esforços inovadores e garantir o acesso público ao conhecimento está hoje desequilibrado, originando espirais de litigação .

A economia global facilita a difusão de novos vírus, assim como a ocurrência de mutações. Países como Portugal estão condenados a viver numa era em que as emergências recorrentes serão uma certeza.

As vacinas, que eram o parente pobre da indústria farmacêutica, tornaram-se entretanto num grande negócio. E se uma vacina existe (no exemplo da gripe aviária a resposta é o Tamiflu, patenteado pela Roche), então o debate é inevitável. A Roche não tem capacidade para garantir a produção dos vastos milhões de doses necessárias em caso de pandemia. E o relatório da OMS faz lembrar que os países mais vulneráveis (África, Ásia) são os que menos acesso têm a medicamentos. Por outro lado, as polémicas que envolvem as patentes mostram que o desenvolvimento de novos fármacos, ou mesmo a mera investigação científica, são actividades cada vez mais arriscadas. O actual sistema de regulação de conhecimento tecnológico é dificilmente sustentável.

A economia política da propriedade intelectual é um tema central neste novo século. E Portugal deve estar neste debate. O acesso ao conhecimento é um dos melhores antídotos para os problemas sociais. Uma boa prática, e um exemplo a desenvolver, são as novas iniciativas de consulta pública na Internet promovidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O INPI recebeu este mês pelos seus sistemas de informação, que agora disponibilizam os detalhes técnicos de cerca de 581 mil títulos de propriedade industrial, um Prémio de Boas Práticas na Administração Pública.

 
 
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