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03-05-2006        Diário Económico
Não é por injectar mais dinheiro em I&D pública que o comportamento da I&D empresarial se altera significativamente.

Nas duas últimas semanas fomos confrontados com mensagens divergentes. Por um lado, o Banco de Portugal salientou as insuficiências da consolidação orçamental e observou que a quota de mercado internacional das exportações portuguesas se deteriorou significativamente em 2005. Segundo o F.M.I., só em fins de 2007 se retomará a convergência face à zona euro (aliás, aquela cujas perspectivas de crescimento são mais limitadas). Como pano de fundo, assistimos à escalada dos preços do petróleo. Por outro lado, porém, vimos coisas a mexer e iniciativas em sentido oposto. O contrato entre uma equipa de investigação da Universidade Nova e a Samsung para o desenvolvimento de tecnologia para fabricar ecrãs transparentes mostra que existem unidades de investigação desenvolvendo conhecimentos internacionalmente relevantes. Foi também anunciado que o Centro de Excelência e Inovação para a Indústria Automóvel (CEIIA) vai estabelecer uma plataforma de engenharia na Auto-Europa, trabalhando com a Volkswagen no desenvolvimento do novo modelo desportivo da marca alemã. Finalmente, foi divulgado um importante documento estratégico orientador da política científica em Portugal, intitulado Um Compromisso com a Ciência para o Futuro de Portugal.

Este documento vem reiterar objectivos indicados no Programa do Governo e no Plano Tecnológico. Confirma o empenhamento na consolidação do sistema de investigação básica, na formação de recursos humanos qualificados, na atracção de investigadores, no reforço da exigência e da escala e na internacionalização. São propósitos indiscutivelmente louváveis. Traduzem a preocupação de sedimentar os progressos conseguidos na política de investigação e de recuperar a trajectória observada até inícios de 2002, com o objectivo de atingir uma das metas de Barcelona: investimento público em I&D correspondente a 1% do PIB.

O problema principal do documento está, a nosso ver, na assunção de que "o aumento de fundos públicos de I&D considerado tenderá a induzir um esforço privado da mesma ordem de grandeza nos próximos anos". A bondade deste raciocínio está por demonstrar. Ele recorda uma afirmação de Roy Rothwell, da S.P.R.U. da Universidade de Sussex, em anterior processo de avaliação da política científica e tecnológica portuguesa: "para alguns, o sistema era baseado na ideia de que quanto mais ciência e tecnologia se empurrar de um lado, mais novos produtos e inovações aparecerão do outro", acrescentando que este não é certamente o modo como a inovação tem lugar.

Não é por injectar mais dinheiro em I&D pública que o comportamento da I&D empresarial se altera significativamente. As empresas, especialmente PME, desenvolvem (ou encomendam) actividades de I&D na medida em que se apercebem das suas implicações no reforço da posição competitiva. Isso não acontece porque exista um efeito de demonstração da I&D pública. Acontece, sim, na medida em que as empresas se defrontem com desafios competitivos cuja resposta passa pela I&D (e há muita inovação que não envolve I&D) – ou reforcem as suas competências internas em recursos humanos, de modo a identificar oportunidades de mercado cuja exploração exija um esforço de I&D.

Sendo desejável o reforço da I&D pública, o grande problema não está aí: está no desenvolvimento das capacidades competitivas do tecido empresarial. Tal desenvolvimento passa pela I&D empresarial e por consórcios de investigação. Passa também pelas competências internas no domínio da interpretação dos mercados e da capacidade de formulação de novos modelos de negócio. E passa ainda, e em larga medida, por uma mudança estrutural: pela reorientação das actividades das empresas existentes, pela dinamização do investimento directo estrangeiro e pela criação de novas empresas de alta intensidade cognitiva. A promoção deste tipo de empreendedorismo é um elemento central para a pretendida "valorização económica da investigação".

Cruzam-se, assim, política de ciência e política de empresa. O que remete para o desafio de uma política de inovação transversal, focada no reforço da competitividade num mercado global, integrando, numa perspectiva sistémica, as diferentes contribuições parcelares. Só desta forma poderemos alavancar recursos e conseguir que os exemplos apresentados acima não constituam fogachos isolados, mas sinais da indispensável renovação da competitividade de Portugal numa economia globalizada baseada na aplicação económica do conhecimento. Só assim poderemos inverter a tendência de queda das nossas quotas nos principais mercados.