17-05-2006 Diário Económico
Os 1,9 milhões de habitantes designado por Grande Lisboa dispõem de um produto ‘per capita’ medido em ppc superior ao de Madrid.
Ao longo dos anos confirmei uma ideia básica em matéria de comunicação inter-pessoal. Admito que se trata de algo que poderá ter sido há muito intuído pelos leitores desta crónica a partir da própria experiência pessoal. A ideia é simples: é muito mais fácil mobilizar a empatia dos recipientes de uma mensagem quando ela possui natureza "positiva" que quando tem conteúdo "negativo". Posto de outra forma: as pessoas preferem as boas às más notícias. Não se tratando porventura de uma ideia muito original, ainda assim penso que a sua aplicação em termos práticos é sempre muito efectiva.
Acho pois ser esta uma boa razão para a presente crónica ter por título, simplesmente, "boas notícias". Num ambiente que se tem caracterizado por um noticiário pouco auspicioso (aumentos do petróleo, revisões em baixa das estimativas de crescimento para Portugal, abandono de alguns grandes investimentos), penso ser quase um dever cívico procurarmos transmitir algumas boas notícias. Acresce que se a crónica fosse encimada por um título do tipo "Portugal 2007-2016, uma década de crescimento zero" – cenário cada vez mais plausível –, estaria de certeza a alienar potenciais leitores e, pior, os que restassem iriam acusar-me de "velho do Restelo", o que a todo o custo desejo evitar...
Convém no entanto informar, desde já, que as "boas notícias" do título são, no seu essencial, boas para uma parte dos portugueses, visto dizerem apenas respeito a Lisboa e ao Porto. Admitindo no entanto que a larga maioria dos leitores deste jornal são residentes nestas duas cidades, em particular na primeira, penso ser pertinente a respectiva comunicação: os 1,9 milhões de habitantes do agregado estatístico designado por Grande Lisboa dispõem de um produto per capita medido em ppc (paridades de poder de compra) superior ao das cidades espanholas de Madrid e Barcelona. Em 2002, ano para os quais existem os dados mais recentes do Eurostat, os valores nestas três cidades eram, respectivamente, de cerca de 28, 27 e 24 mil euros por habitante. Em relação ao Grande Porto, o valor médio correspondente para os 1,3 milhões de habitantes na região era de 17 mil euros, superior, por exemplo, aos 16 mil de Sevilha. Recorde-se que no mesmo ano, o valor médio a nível de toda a União Europeia era de 21 mil euros por habitante.
É interessante referir que o desempenho da Grande Lisboa equivale ao valor do conjunto da República da Irlanda, que tendo 3,9 milhões de habitantes, cerca do dobro da população da capital portuguesa, também dispunha em 2002 de um PIB per capita em ppc de 28 mil euros. Desta forma, a autonomização da Grande Lisboa do restante Portugal, permite-nos obter um interessantíssimo ‘case-study’, com a constatação da existência dentro do nosso próprio país de uma "espécie de Irlanda". Este caso é curioso pelas ilações (positivas... mas, que me desculpe o leitor, também possivelmente negativas!) que dele podem ser extraídas.
O desempenho de Lisboa deve ser posto em perspectiva. Verifica-se hoje em dia, no actual contexto da globalização, que algumas grandes cidades e regiões densamente povoadas exercem um enorme efeito polarizador e demonstram um potencial de crescimento muito superior ao das respectivas periferias. O produto per capita na municipalidade de Xangai, por exemplo, é 15 vezes superior ao da região mais pobre da China. Na Índia, a região de Bangalore situa-se, em muitos aspectos, muito mais próxima das economias mais desenvolvidas à escala mundial que de muitas outras extensas regiões dentro do próprio país. O mesmo se verifica com a área metropolitana de São Paulo no Brasil, ou com Monterrey no México. Os efeitos de polarização e as economias de aglomeração que se verificam nestas regiões suscitam fenómenos de catching up acelerado, permitindo que dentro de países muito grandes surjam economias espacialmente concentradas com uma enorme pujança. De um ponto de vista teórico, a questão que se coloca é de saber como é que os factores e condições institucionais presentes nestas regiões mais dinâmicas podem ser difundidos para as regiões vizinhas.
Relativamente ao caso da Grande Lisboa, coloca-se a mesma questão. Mas coloca-se ainda uma outra, que é a saber qual a sustentabilidade futura do notável processo de crescimento verificado nas últimas décadas. Que me perdoe o leitor, se acabo com uma pergunta que põe eventualmente em causa as "boas notícias" do título, mas alimentar expectativas improváveis não será muito honesto...